Venezuela: invasão terrestre ou genocídio?
- Nelson Guerra

- há 2 dias
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IMPORTANTE: O ex-deputado constituinte Tadeu França recorda uma experiência com a intervenção dos EUA no Panamá (1989) e vê ecos dessa política no cerco naval e diplomático que hoje pressiona a Venezuela; a escalada pode agravar uma crise humanitária já massiva e levanta questões sobre a linha entre intervenção militar e crimes contra populações. Acompanhe o interessante depoimento.

Lembro-me com nitidez do dia em que, como deputado em missão parlamentar, senti o peso da intimidação militar norte‑americana. Estávamos no Panamá, em 1989, quando um comandante dos EUA proibiu que atravessássemos o canal; fui impedido de fotografar, tive a câmera arrancada e senti a ponta fria de metralhadoras contra a barriga enquanto me perguntavam, em tom ameaçador, se eu tinha certeza de que voltaria ao Brasil. A sensação de impotência e de que a força decide sem testemunhas ficou marcada em mim. Minha trajetória pública — professor, vereador, deputado estadual e deputado constituinte — fez com que eu carregasse essa lembrança como alerta permanente sobre o uso da força em nome de “segurança”.
DO PANAMÁ DE ONTEM PARA A VENEZUELA DE HOJE
Em outro momento, para a pequena representação parlamentar latino-americana presente na província de El Chiriqui, o líder panamenho Manoel Noriega foi incisivo e disparou para parte do nosso grupo: "Irmãos argentinos, que tanto se esforçam a ponto da submissão aos caprichos do império, a quem pensam que a pátria de vocês perdeu a guerra das Malvinas? À Inglaterra? Não. Aos Estados Unidos.”
E ainda emendou o chefe militar: “Desde o suporte bélico até o abastecimento dos aviões ingleses em pleno voo, vocês sabem que foi obra dos Estados Unidos contra a humilhada pátria de vocês. O império odeia a Argentina e até o plástico para envolver os corpos sem vida das vítimas nas Malvinas foram regateadas pelos seus supostos protetores. Vocês amam os Estados Unidos? Não me parece que os Estados Unidos amem vocês!”
“Hoje quem está caindo é o Panamá. Amanhã, poderão ser as duas maiores potências latino-americanas: Brasil e Argentina!”, concluiu Noriega, o líder condenado pelos norte-americanos por crimes relacionados ao narcotráfico e lavagem de dinheiro.
DO PASSADO AO PRESENTE
Hoje, ao observar o cerco naval e as apreensões de petroleiros que cercam a Venezuela, vejo ecos daquela tática: controlar o espaço marítimo para estrangular economicamente um país e, assim, aprofundar uma crise interna já grave. A ordem recente de bloqueio e as operações navais anunciadas pelos Estados Unidos têm impacto direto sobre a exportação de petróleo — a principal fonte de receita venezuelana — e agravam a escassez de combustíveis e insumos essenciais, acelerando o sofrimento da população.
Não posso deixar de traçar um paralelo entre a intimidação que presenciei e o que pode ocorrer se a pressão se transformar em ação terrestre: um ataque ou ocupação poderia provocar deslocamentos massivos, mortes e violações em escala. A história mostra que cercos e bombardeios concentram o sofrimento nos mais vulneráveis; por isso falo de risco real de crimes contra a humanidade se a escalada prosseguir.
Enquanto isso, a retórica internacional adiciona outra camada de contradição: o presidente dos Estados Unidos tem buscado reconhecimento como pacificador e até ambiciona o Prêmio Nobel da Paz, apesar de ações que muitos consideram beligerantes — uma incoerência que alimenta debates sobre a eficácia e a moralidade dos órgãos internacionais.
O INCERTO FUTURO
A dimensão humana é imensa: quase 8 milhões de venezuelanos já deixaram o país, buscando refúgio em nações vizinhas, e a região sente os efeitos sociais e econômicos dessa diáspora; Maringá e outras cidades brasileiras já abrigam comunidades venezuelanas significativas, o que torna qualquer escalada uma preocupação regional imediata.
Volto ao meu relato porque acredito que a memória serve de aviso: quando o poder externo controla rotas, bloqueia portos e pressiona economias, o resultado costuma ser desespero, fuga e, em casos extremos, morte em massa. Devemos documentar, denunciar e exigir canais de negociação antes que a história se repita.














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