UMA LIÇÃO INDIANA
- Célio Juvenal Costa
- 2 de abr.
- 3 min de leitura
Por Célio Juvenal Costa, professor da UEM
Há algum tempo li um livrinho sobre a Mitologia Indiana, de uma coleção de outras mitologias, tema pelo qual, como alguns sabem, sou apaixonado. Há uma parte no livro em que são relatadas algumas lendas, geralmente lições com fundo moral em que estão presentes sábios hindus. Dentre as várias histórias interessantes, uma me chamou muito a atenção, a qual passo a relatar de forma resumida.

Dois jovens amigos moravam em duas cidades, separadas por um rio muito largo. Um dia eles se encontraram no meio do rio cada um em uma canoa. Um deles convidou outro para uma festa na casa de um rico senhor, em que haveria dança, teatro, dançarinas, cortesãs e muita comida e bebida, uma festa, digamos, mundana. O outro, coincidentemente, convidou o amigo para outra festa, essa numa igreja, em que haveria a fala de um famoso sábio, corais de fora, orações e celebrações. Nenhum dos dois aceitou o convite do outro porque já estavam comprometidos com suas festas. Ao amanhecer o dia os dois novamente se encontraram no meio do rio voltando de suas respectivas festas quando uma tempestade se formou e afundou os dois barcos ocasionando a morte dos dois amigos. Quando estavam esperando o destino final de suas almas, os anjos do céu vieram buscar o que foi para a festa mundana e os anjos do inferno vieram buscar o outro. Depois do espanto inicial e dos dois tentarem argumentar que os anjos estavam errados, um dos anjos explicou que aquele que foi para a festa na igreja ficou com o coração na festa em que o outro amigo estava, desejoso de estar curtindo tudo o que o amigo havia relatado que haveria; por outro lado, o outro amigo, apesar de estar numa festa cheia de prazeres carnais, queria estar na festa do amigo. Ou seja, eles estavam, na sua essência, onde o coração queria estar, e a justiça divina se fez.
Penso que esta história pode ser aplicada em várias situações de nossa vida. A primeira é que nem sempre, ou na maioria das vezes, conhecemos o próprio coração, nem sempre nos conhecemos o suficiente para separar o que aparentamos ser do que realmente somos. Segundo, não adianta representarmos papeis, praticarmos caridade, nos considerarmos religiosos, se o nosso pensamento e nosso desejo estão em outros lugares. Terceiro, estamos, na essência, onde nossos desejos estão e não, necessariamente, onde nos encontramos fisicamente, por mais que tentemos nos enganar juntando vários argumentos para justificar que o lugar físico (ou sentimental) é o lugar do coração. A quarta situação é aquela em que somos flagrados em nossa hipocrisia, ou seja, nos fazemos de amigos, de críticos, de sensíveis às demandas da atualidade, mas somos egoístas, insensíveis e queremos dominar o outro para colocá-lo a nosso serviço. Por fim, podemos pensar, também, nas situações em que aquilo que gostamos ou somos levados a curtir, na verdade são produzidos fora de nós, são incutidos em nossos comportamentos e, sem nenhum senso crítico, passamos a reproduzir.
Para além da moral francamente religiosa que a história indiana tem, penso que ela pode nos ensinar a trilharmos o difícil caminho de entender a nós mesmos e, fazendo um link com o mundo grego (do qual a mitologia é igualmente apaixonante), resgatarmos o ideal socrático do conhecer-se a si próprio!!!
Meu Instagram: @costajuvenalcelio
Obs: Esta é uma versão revisada e atualizada de um texto originalmente publicado no blog: devaneioseoutrasreflexões.blogspot.com.
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