Por: Mirian Abreu - Colunista BNews - Portugal
Era uma vez… um reino encantado que tinha coroa, mas o seu rei vivia para além-atlântico, num recanto repleto de palmeiras onde era despertado com o canto dos sabiás. E à noite, ao deitar, tinha um formoso céu risonho e límpido com a imagem da constelação Cruzeiro do Sul para o acalentar. Esse reino além–mar era gigante pela própria natureza, e era iluminado pelo sol do novo mundo.
Mapa histórico de 1815: territórios do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves
Da terra onde estava, o soberano governava todas as demais, num contexto muito próximo ao conceito romano de“urbi et orbi”, da cidade para todos os outros reinos… de norte a sul, leste a oeste.
Porém, dentre todos, havia a predilecção pelo “encantado“ reino do Algarve, que era chamado de reino, mas nunca teve um rei coroado especificamente como rei do Algarve, era de jure e não de facto, ou seja, estava na lei mas não na prática. Contudo, a explanação desse detalhe fica para uma outra história…
Então este “reino” foi conquistado no ano de 1242, mas só aparece como divisão administrativa em 1406, se bem que, desde seu início, tenha sido considerado como o segundo reino de Portugal. Sabe-se também que, em uma boa parte da sua história, sempre esteve em meio de disputas contra muçulmanos, que por aqui permaneceram por quinhentos anos.
Num outro contexto bélico, a coroa portuguesa consegue anexar territórios norte-africanos ao território do Algarve português. Com isto, partir de 1471, é intitulado Reino dos Algarves, todavia sem autonomia e totalmente dependente da soberania portuguesa. A titularidade de reino teve a função de visibilizar sua importância dentro do contexto político português, ou seja, nominar para ser reconhecido.
Séculos mais tarde, em 1815, quando a família real já estava bem instalada e a metrópole passa a ser o Rio de Janeiro, no Brasil, exatamente neste dia, 16 de dezembro, o rei baixa um decreto titulando o Brasil na hierarquia de Reino. Assim Portugal passa a ser o Reino Unido de Portugal, Brasil e dos Algarves, um imenso território com poderio na Europa, América, África, Ásia e Oceânia. Pode-se afirmar que este foi o primeiro Império global da história e o mais antigo dos impérios coloniais modernos, com quase seis séculos de permanência. Terra dos “heróis do mar. Nobre povo, nação valente, imortal!”
Voltemos então ao Algarve, com suas chaminés e delicias gastronómicas.
Diz a poeta que o Algarve é branco. Traz o branco na espuma da onda ao se quebrar. Traz o branco nas amendoeiras em flor, nas caiadas paredes e nas rendilhadas chaminés.
Chaminé algarvia, espuma do mar e amendoeiras em flor…
Existe a lenda de que as alvas chaminés são herança islâmica. Mas será bem assim?
Se conhecemos um pouco da história de Portugal, nota-se que a presença moura no território algarvio ocorre por 500 anos, muito mais do que no restante do país, como bem conta a pesquisadora Lydia Santos em sua dissertação sobre as chaminés algarvias. No entanto, é bom lembrar que em comparação com cidades como Granada, na Espanha, onde a presença moura foi de 700 anos, perceber-se que não há chaminés como as encontradas no Algarve. Indo mais além, na comparação com as casas do Magreb, de cultura essencialmente islâmica, constata-se a inexistência de chaminés do tipo algarvio.
Casa Algarvia com chaminés tipico e casas mouras do Magreb sem chaminé.
Todas estas informações levam-nos a crer que as chaminés algarvias são mesmos típicas daqui. Mas então, por que lembram os minaretes islâmicos? Na verdade, os minaretes são muito diferentes das chaminés algarvias, mas para perceber tal diferença é necessário que os olhos familiarizem-se com a arte islâmica. Nos estudos de história da arte, os críticos não veem similaridade alguma e cogitam a possibilidade da chaminé algarvia ter influência na arte islâmica, por entenderem que a mobilidade contínua por parte deste povo possibilitava que sempre levassem um pouco do conhecimento e das especificidades culturais por onde passavam. De facto, as características da chaminé algarvia têm como intuito o desejo de parecer exótica ao contexto local.
A chaminé algarvia tem a função prática de dispersão da fumaça (fumo), mas junto a isso tem a finalidade de ornamentar o telhado das moradias. É considerada um distintivo social, que atesta o status económico do proprietário da casa onde está construída. Além daquelas feitas em olarias, há as que exigem mão de obra especializada, onde o artesão vai ao local a fim de criar a obra de arte de acordo com o gosto e o “bolso” do contratante.
Digo sempre que por baixo de uma bela chaminé a deitar fumo, tem sempre um fogão “em brasa”. Essa é a característica “emocional” da chaminé, pois entendo que onde há fumaça, há um lar e uma mesa posta reunindo todos os seus integrantes e quem mais chegar…
E a ementa de hoje? Claro, não podia faltar o prato preferido do algarvio: Cataplana mista
Segue a receita no link abaixo:
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