Por que os adolescentes de hoje sentem vergonha dos pais?
- Gedeon Lidório

- 17 de jun.
- 5 min de leitura
Parte 1
Pai, você vai sair assim mesmo? Tá parecendo que veio de outra década.
Mãe, não precisa dizer que é minha mãe na frente dos meus amigos, tá?
Vocês não têm ideia de como as coisas funcionam atualmente.

Frases como essas têm se tornado comuns na boca de muitos adolescentes. Embora sejam dolorosas para os pais, elas apontam para algo mais profundo do que simples rebeldia. O que está por trás da vergonha que tantos adolescentes demonstram em relação à própria família? Por que aquele que, na infância, buscava o colo dos pais com alegria, agora os evita, rejeita ou até os ridiculariza?
Na perspectiva cristã, essa crise relacional não é apenas uma fase inevitável — ela é, muitas vezes, sintoma de uma sociedade que perdeu os referenciais de honra, identidade e pertencimento. A vergonha dos pais revela uma ruptura simbólica: o jovem não reconhece mais a própria origem como parte essencial da sua história.
Em todas as culturas humanas, os ritos de passagem — como a transição da infância para a adolescência — envolvem algum tipo de distanciamento das figuras parentais. O problema, no entanto, está quando esse afastamento não é um processo saudável de amadurecimento, mas um rompimento marcado pela rejeição da autoridade, pelo desprezo dos valores transmitidos e pela adoção acrítica dos modelos de pertencimento oferecidos pelo mundo exterior.
A Bíblia vê a família como uma aliança de gerações. “Honra teu pai e tua mãe” (Êxodo 20:12, NVT) não é apenas um mandamento — é uma expressão da ordem criada por Deus para que a vida humana floresça. A honra não nasce da perfeição dos pais, mas do reconhecimento de que eles foram instrumentos de Deus na formação de nossa existência e identidade. Honrar, humanamente, não significa que não podemos enxergar os erros do outro, mas que, apesar dos erros, reconhecemos o valor da pessoa que está ao nosso lado.
Quando um adolescente sente vergonha dos pais, o que está em jogo não é só a imagem social deles — mas a forma como o jovem está lidando com sua própria origem, seus valores e seu lugar no mundo. E quando os pais reagem apenas com raiva ou distância, perdem a oportunidade de restaurar a ponte do diálogo com amor, escuta e firmeza.
Isso tudo não é um fenômeno novo, mas se apresenta hoje de forma mais intensa e precoce – mesmo que nos tempos passados os adolescentes já entravam na vida adulta muito cedo, seja trabalhando ou mesmo se casando, tendo filhos e formando famílias, a precocidade de hoje tem um valor intrinsecamente diferente, porque estamos em uma época de relacionamentos frágeis, fluidos e descompassados.
O jovem passa a ver seus pais como um possível motivo de constrangimento social — não porque os pais sejam objetivamente indignos, mas porque, na lógica da cultura vigente, a presença deles pode comprometer a aceitação do adolescente no grupo ao qual deseja pertencer.
Esse sentimento pode se manifestar de diferentes formas:
· O adolescente evita andar com os pais em público.
· Reage com irritação quando os pais expressam afeto diante de amigos.
· Sente desconforto com a aparência, linguagem ou estilo de vida dos pais.
· Demonstra desprezo por tradições familiares, fé, costumes ou valores.
Para o psicanalista Winnicott, a vergonha não é apenas algo que a gente aprende com a sociedade. Ela tem a ver com quem a pessoa realmente é por dentro (o “verdadeiro eu”) e a imagem que ela sente que precisa mostrar para o mundo (o “falso eu”). Quando uma criança — e depois o adolescente — sente que os pais ou o ambiente ao redor não aceitam suas emoções ou desejos como são, ela aprende a esconder o que sente de verdade. Cria um "personagem" para se proteger.
Nesse processo, os pais podem acabar se tornando como espelhos desconfortáveis: quando o adolescente olha para eles, é como se enxergasse partes de si mesmo que gostaria de esconder — como sua origem, seus valores familiares, a condição financeira, a aparência, ou até a fé que recebeu em casa. Para se encaixar nos padrões que o mundo cobra (especialmente os das redes sociais), ele tenta negar essas raízes — e aí surge a vergonha.
Já Lacan, outro psicanalista, explica a vergonha de uma forma diferente, mas complementar. Para ele, a vergonha aparece quando a pessoa se vê pelos olhos dos outros, e sente que não está à altura. É como se o olhar do outro revelasse suas falhas, suas imperfeições. No caso do adolescente, esse “outro” pode ser os colegas, os amigos da escola, os seguidores nas redes sociais… Se os pais não combinam com esse padrão que o jovem deseja mostrar para o mundo, ele pode passar a se envergonhar deles.
A vergonha, antropologicamente falando, é um sentimento socialmente construído. Em culturas onde o coletivo é mais valorizado que o individual, a vergonha tende a surgir quando alguém se percebe fora do padrão aceito pelo grupo. No caso dos adolescentes contemporâneos, esse “padrão” é ditado pelas redes sociais, por celebridades e por grupos de influência digital, e não mais pela família ou comunidade local.
Os pais, então, passam a ser vistos como “fora de moda”, “conservadores”, “atrasados” — não por seus atos reais, mas por não se alinharem ao imaginário cultural que define o que é desejável ou popular.
Há um texto bíblico, onde Jesus fala sobre pessoas que podem se envergonhar dele publicamente e que nos explica o contexto em que esse tipo de vergonha é abordada pela Teologia Bíblica:
“Todo aquele que se envergonhar de mim e das minhas palavras nesta geração adúltera e pecadora, também o Filho do Homem se envergonhará dele quando vier na glória de seu Pai” (Marcos 8:38, NVT).
Esse texto, embora fale do relacionamento com Cristo, nos ajuda a entender a raiz da vergonha: ela revela uma luta entre fidelidade e aparência, entre pertencimento ao Reino e desejo de aceitação mundana.
Sendo assim, podemos considerar que quando um adolescente tem vergonha de seus pais, na verdade, está tendo dificuldade em aceitar parte essencial de sua história. Ele não rejeita apenas o outro — ele rejeita algo de si. Como se dissesse: “Não quero ser visto como alguém que veio de vocês.” Essa é uma crise de identidade. Tanto o adolescente em relação aos pais, como o cristão em relação à Cristo, quando são imbuídos de vergonha na relação é uma crise de identidade – não sabem, não querem ou não desejam identificar-se com quem está na outra ponta da relação – ou os pais ou a Cristo.
Na tradição bíblica, a genealogia, que demonstra origem e história de si a partir da linhagem, não é um peso, mas um símbolo de dignidade. Os evangelhos começam com a linhagem de Jesus (Mateus 1; Lucas 3) para mostrar que o Filho de Deus não negou sua origem humana. Ele assumiu sua família, com todas as marcas — até mesmo os escândalos — e a redimiu com amor.
Da mesma forma, o adolescente precisa ser ajudado a olhar para os pais com olhos de redenção: reconhecer suas falhas, sim, mas também aprender a honrá-los como parte da sua formação e história.
Prof. Gedeon Lidório
Teologia, Antropologia, Filosofia e Psicanálise
Instagram: @gedeonlidorio
E-mail: gedeon@lidorio.com.br













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