Por Célio Juvenal Costa, professor da UEM
Inauguro minha coluna “(im)pertinências” com um texto que faz um tempo que eu queria escrever e que, de início, talvez soe bem despretensioso (e talvez seja mesmo). Dedico estas reflexões de modo especial ao pessoal que comanda o bisbilhoteiro.com.br, agradecendo a acolhida e a confiança. Bem, vamos ao texto.

Perto de onde moro, em uma calçada, tem dois pés de pitanga, um deles um pouco maior que o outro. Eles ficam no caminho que eu faço quase cotidianamente quando saio do meu apartamento. Passo por eles sempre, mas na imensa maioria das vezes, de carro. Às vezes ando a pé pelo mesmo caminho e é quando procuro alguma pitanga madura e me delicio quando encontro. Se eu fosse calcular grosseiramente, creio que eu como não mais do que 20 frutas por ano, levando-se em conta a época em que as árvores dão fruto. Mas, cada pitanga que saboreio daquelas árvores tem um sabor mais do que especial.
Claro que eu poderia simplesmente ir todos os dias a pé em busca das pitangas, pois os pés ficam a duas quadras de onde eu moro, mas, percebi com o tempo, que o sabor daquelas frutinhas adquiriu uma dimensão que vai além de matar a vontade. Eu gosto muito de pitanga e se fosse em uma ocasião em que eu tivesse em algum lugar, um sítio por exemplo, em que tivesse um pé de pitanga carregado ao meu dispor, certeza que eu comeria muito mais do que as vinte dos pés perto de casa. Mas, seriam dois sentidos diferentes de comer as pitangas, ambos prazerosos, mas um deles, no hipotético sítio, seria a satisfação, no outro, a degustação; no primeiro seria um prazer corporal, no outro um prazer quase anímico. Eu nunca planejo ir até os “meus” pés de pitanga; sempre acontece, digamos, casualmente, especialmente quando levo meu carro para lavar em um lavacar, que coloca os pés de pitanga a praticamente meio caminho de casa.
Toda esta dinâmica que se tornou em volta das pitangas da calçada me levou a pensar que ela poderia ser uma espécie de metáfora do que é, em parte, a vida. Na nossa sociedade altamente consumista dos dias de hoje, somos levados a uma espécie de sofreguidão em busca de satisfazer nossos desejos. Parece que queremos saborear várias coisas ao mesmo tempo, queremos “ingerir” as coisas (e pessoas) de modo a termos o prazer do consumo. Somos levados a não ter o prazer da degustação, daquele prazer ocasional, não planejado, não buscado insistentemente. Ela está ali, a fonte do prazer degustativo continua ali, não exige que vamos a ela constantemente, não nos cobra assiduidade e nem fidelidade.
Ao refletir sobre isto penso, também, em amigos, parentes, queridos, que a vida não me oportuniza um contato corriqueiro, mas que quando nos encontramos é como se degustássemos nossa amizade, nosso carinho. Saber que os amigos estão lá, saber que as pessoas pelas quais nutrimos carinho e saudade estão lá, em algum lugar, e que, sem planejamento, sem ansiedade, nos encontraremos, é, de fato, algo anímico, e como tal, acaba por ser muito prazeroso. Torço para que “meus” pés de pitanga continuem sempre lá, assim como torço para que as pessoas queridas também continuem sempre lá, dispostas e preparadas para novos encontros!
Meu Instagram: @costajuvenalcelio
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