NOLASQUEANDO: Deportações abrem a primeira crise de Trump com a América Latina
- Marcio Nolasco

- 27 de jan.
- 4 min de leitura
Donald Trump venceu rapidamente sua primeira queda de braço com a América Latina por conta das deportações de imigrantes ilegais. Sob a ameaça de sanções comerciais, o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, cedeu e aceitou que aviões militares dos Estados Unidos pousassem no país trazendo de volta colombianos deportados. Mais cedo, diante da recusa de Petro de aceitar os voos, a Casa Branca havia anunciado, entre outras medidas, uma taxação de 25% sobre todos os produtos colombianos, a ser elevada para 50% em uma semana. O governo de Bogotá chegou a anunciar uma taxação igual para importações dos EUA, e Petro, que já foi preso político, publicou em redes sociais em recado a Trump: “Resisti à tortura e resisto a você”. À noite, porém, a chancelaria colombiana divulgou uma nota dizendo que “o impasse com o governo americano havia sido superado”. Trump suspendeu as tarifas, mas manteve, por exemplo, a restrição à emissão de vistos para colombianos até o pouso do primeiro voo de deportados. E comemorou a vitória: “Os eventos de hoje deixaram claro para o mundo que a América voltou a ser respeitada”, disse, em nota.

O envio de deportados também criou tensão em Brasília. O voo que trouxe 88 brasileiros, com relatos de violência, maus-tratos e pessoas algemadas, causou o primeiro incidente diplomático entre os governos Lula e Trump. O Itamaraty publicou ontem uma nota sobre os brasileiros que desembarcaram em Belo Horizonte às 21h10 de sábado. Eles chegaram à capital mineira já sem algemas, retiradas por ordem do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, após o avião descer em Manaus por problemas técnicos. Na nota, o ministério das Relações Exteriores afirma que o uso indiscriminado de algemas viola os termos de um acordo firmado entre os dois países “que prevê tratamento digno, respeitoso e humano dos repatriados”. “O governo brasileiro considera inaceitável que as condições acordadas não sejam respeitadas”, diz o Itamaraty, sem citar os termos do acordo. O Itamaraty também disse ter pedido explicações aos Estados Unidos sobre o “tratamento degradante dispensado aos passageiros”. “Maltrataram a gente, bateram na gente algemado”, disse Vitor Gustavo da Silva, de 21 anos, ex-morador de Atlanta.
Muitos contaram ter ficado 50 horas algemados, sem ar condicionado no voo e sujeitos a abusos. “Nem cachorro merecia ser tratado daquele jeito”, disse Jefferson Maia, que ficou dois meses preso após atravessar a fronteira com o México. “Ficamos sem comer e estou há cinco dias sem tomar banho.” Segundo ele, um agente da imigração o agrediu em Manaus, quando os norte-americanos tentavam fazer o avião decolar mesmo com falha no motor. Nesse momento, os migrantes pediram para sair da aeronave por causa do calor. “O agente me enforcou e puxou a corrente das algemas até meu braço sangrar”, denuncia. Os deportados contaram que só conseguiram pedir ajuda à PF após abrirem uma das portas de emergência do avião gritando por socorro. A aeronave, que partiu sexta-feira da cidade de Alexandria, na Virgínia, apresentou falhas ainda em solo americano e precisou parar na Louisiana. Depois, parou de novo no Panamá e em Manaus.
A ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo, acompanhou o desembarque em Belo Horizonte e demonstrou preocupação após ouvir as denúncias. “Tínhamos no mesmo voo famílias, crianças, algumas com autismo ou outro tipo de deficiência, que passaram por situações muito graves”, afirmou. Segundo a ministra, se as deportações se tornarem mais frequentes, será criado um posto de atendimento humanitário no aeroporto.
A presidente de Honduras, Xiomara Castro, convocou para esta quinta-feira uma reunião extraordinária da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), que ela também preside, a fim de discutir as deportações.
Deportar brasileiros virou rotina já há algum tempo, segundo dados do Departamento de Segurança Interna dos EUA. Foram 7.168 enviados de volta ao Brasil apenas na gestão de Joe Biden. O país expulsou mais brasileiros na era Biden do que em governos anteriores, entre eles o primeiro mandato de Trump. Brasileiros representaram uma proporção maior entre os deportados pelo democrata, com 1,3% do total na última administração, 0,7% na de Trump e 0,4% na de Barack Obama.
“Czar da fronteira” de Trump, responsável pela missão de comandar a “maior deportação da história” do país, Tom Homan, um ex-agente da patrulha de fronteira, esteve em Chicago neste domingo para acompanhar operações em busca de imigrantes ilegais. A ação marca o início de uma fiscalização mais severa na terceira maior cidade dos Estados Unidos, enquanto agências federais têm prendido pessoas em todo o país – foram 956 apenas no domingo, mais que o triplo do número médio de presos por dia (311) no ano passado.
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Trump causou revolta também no Oriente Médio ao afirmar que deseja que Egito e Jordânia recebam palestinos de Gaza, descrevendo o cenário como “local de demolição” onde é preciso “limpar tudo”. Sua proposta, que ele disse ter discutido com o rei Abdullah da Jordânia, é que pelo menos um milhão de palestinos deixem Gaza. Líderes palestinos, incluindo o presidente Mahmoud Abbas, rejeitaram a ideia, assim como populares. “Essa terra é nossa e propriedade de nossos ancestrais. Não a deixaremos, exceto como cadáveres”, disse um deslocado em Khan Younis. A Jordânia, que já possui 2,4 milhões de refugiados palestinos, também afirmou ser contra a ideia, que surge em meio a um cessar-fogo em Gaza após 15 meses de conflito. Críticos veem a proposta como alinhada à extrema direita israelense, que há muito defende a emigração forçada de palestinos.
Se ainda houve quem questionasse a referência ao nazismo no gesto de Elon Musk na festa de posse de Trump, o bilionário sul-africano não deixou margem para dúvidas ao participar por vídeo de um evento do partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD) no sábado. O dono da Tesla defendeu que os alemães deixem para trás as “culpas do passado” e “sigam em frente”, afirmando que a legenda extremista é a melhor esperança para defender a “cultura e o povo” do país. A declaração foi criticada por governos europeus e por políticos do governo Trump.













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