“Desigrejados” em alta: a fé sem frequentar templos - Tendências de fé pessoal e distanciamento institucional
- Gedeon Lidório
- 3 de set.
- 4 min de leitura
Por Prof. Gedeon Lidório
Nos últimos anos, pesquisas de opinião e levantamentos acadêmicos têm apontado para o crescimento de um grupo peculiar dentro do cenário cristão brasileiro: os chamados “desigrejados”. São homens e mulheres que, embora ainda se reconheçam como evangélicos ou cristãos, não frequentam igrejas locais de forma regular. A pesquisa Datafolha de 2025, por exemplo, revelou que 5% dos evangélicos de São Paulo se enquadram nessa categoria, com destaque para jovens e pessoas de maior escolaridade. É uma realidade que não pode ser ignorada, pois, é algo que afeta diretamente a Igreja de Cristo.

O fenômeno dos desigrejados não é novo. Desde os anos 1990 já se observava um movimento de afastamento institucional de fiéis que permaneciam ligados à fé cristã. Contudo, o cenário contemporâneo adiciona novas camadas: descontentamento com escândalos eclesiásticos, críticas à mercantilização da fé, busca por espiritualidade mais “pessoal” e, principalmente, um contexto de digitalização da vida, em que cultos online e comunidades virtuais parecem oferecer substitutos ao encontro físico.
Se, por um lado, o movimento expressa insatisfação legítima com práticas e abusos de lideranças religiosas, por outro levanta questões sobre a compreensão bíblica de Igreja. Ter fé sem corpo eclesial pode ser lido como tentativa de construir um cristianismo “sob medida”, individualizado, que se afasta do projeto comunitário revelado no Novo Testamento. Há uma grande tendência em nossa época ao “personalizado” e isso parece influenciar diretamente o crescimento desse movimento de desigrejados.
As Escrituras apresentam uma visão radicalmente diferente da espiritualidade isolada. O apóstolo Paulo descreve a Igreja como “corpo de Cristo” (1Co 12:27), onde cada membro possui função e necessidade de conexão. Em Hebreus 10:25, encontramos a exortação direta: “não deixemos de congregar-nos, como é costume de alguns, antes façamos admoestações
”.
O afastamento comunitário, portanto, não é apenas um detalhe opcional, mas uma quebra de um princípio teológico fundamental: a fé cristã se desenvolve em comunhão. Não se trata apenas de frequentar cultos, mas de viver em mutualidade, partilhar dores, discipular, corrigir, aprender e ser cuidado. Uma espiritualidade sem igreja é, no mínimo, uma espiritualidade amputada.
Entretanto, seria simplista culpar apenas os desigrejados. A crítica precisa ser direcionada também às instituições que, em muitos casos, falham em sua vocação pastoral. Escândalos financeiros, abusos espirituais, disputas de poder e falta de acolhimento têm produzido feridas profundas.
O fenômeno dos desigrejados é, em parte, sintoma de uma crise de credibilidade das igrejas.
Quando comunidades cristãs deixam de refletir a simplicidade do Evangelho e se tornam espaços de consumo religioso, elas perdem sua função de casa espiritual. Como denunciou o profeta Isaías: “Este povo se aproxima de mim com a boca e me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim” (Is 29:13). O mesmo perigo ronda o cristianismo contemporâneo: uma forma de piedade que não se traduz em amor, justiça e verdade.
A pergunta que se impõe é: como recuperar a confiança dos desigrejados e reencantar o sentido de comunidade cristã?
Alguns caminhos possíveis passam pela reforma da prática pastoral, que precisa deixar de privilegiar o espetáculo para valorizar o discipulado, diminuindo a centralização em figuras carismáticas e incentivando a partilha entre os membros da comunidade. Também é essencial cultivar a transparência e a ética, especialmente no trato com recursos financeiros e no exercício do poder eclesial, para que a integridade seja visível e inspire confiança. Outro ponto decisivo é o acolhimento real, fazendo das igrejas espaços de escuta, hospitalidade e cuidado mútuo, onde cada pessoa se sinta parte do corpo. Não é possível, em nossa época, escapar de se investir em uma integração digital responsável, entendendo que os meios online devem servir como ponte de conexão e não como substitutos da vida comunitária presencial.
O desafio não é simplesmente “trazer de volta” os que se foram, mas oferecer uma eclesiologia saudável que corresponda ao Evangelho de Cristo.
Há quem defenda que é possível viver uma espiritualidade autêntica sem vínculos institucionais. De fato, a Bíblia não canoniza modelos rígidos de liturgia ou formatos de templo. No entanto, a essência do cristianismo bíblico repousa na vida comunitária. O Novo Testamento não conhece cristãos solitários, mas irmãos e irmãs que partem o pão de casa em casa (At 2:46), que se suportam mutuamente (Gl 6:2) e que se edificam no amor (Ef 4:16).
Uma fé totalmente desvinculada da comunidade se torna refém do individualismo moderno, aquele mesmo que molda uma espiritualidade de consumo, onde cada um escolhe apenas o que lhe agrada. Contra isso, a mensagem de Jesus continua sendo radical: “Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns aos outros” (Jo 13:35).
O fenômeno dos desigrejados denuncia falhas institucionais, mas também revela fragilidades pessoais. O cristianismo não pode ser reduzido a uma fé sem corpo. A vida cristã é relacional, comunitária, sacramental e discipular
O chamado bíblico não é para uma fé solitária, mas para um povo: “Vós, porém, sois geração eleita, sacerdócio real, nação santa, povo exclusivo de Deus, para anunciar as grandezas daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz” (1Pe 2:9).
Se a Igreja deseja recuperar os desigrejados, precisa oferecer não apenas cultos bem-produzidos, mas uma comunidade de graça, verdade e cuidado mútuo. E se os desigrejados desejam viver um cristianismo autêntico, precisarão reencontrar no corpo de Cristo a experiência que dá sentido à fé.
Prof. Gedeon Lidório
Teologia, Antropologia, Filosofia e Psicanálise
Instagram: @gedeonlidorio
E-mail: gedeon@lidorio.com.br
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