Crer e contradizer: a incongruência teológica no coração do cristianismo contemporâneo
- Gedeon Lidório

- 6 de out.
- 4 min de leitura
Por Gedeon Lidório
Em outubro de 2025, a revista Christianity Today divulgou um relatório inquietante: o State of Theology 2025, produzido pelo Ligonier Ministries em parceria com a Lifeway Research, revelou que grande parte dos evangélicos norte-americanos mantém crenças contraditórias em relação à própria fé.

O dado não surpreende apenas por sua dimensão estatística, mas por expor uma ferida espiritual e pedagógica: a distância crescente entre crença professada e convicção compreendida.
Segundo a pesquisa, 98% dos evangélicos afirmam crer na Trindade, e 95% defendem que Deus é imutável. No entanto, mais da metade declara que o Espírito Santo não é uma pessoa, mas uma “força”.
O mesmo paradoxo aparece quando 28% dos que dizem confiar unicamente em Cristo para a salvação também afirmam que Jesus foi “apenas um grande mestre, mas não Deus”.
Essas contradições são mais que curiosidades estatísticas, são sintomas de um cristianismo fragmentado, em que doutrinas centrais coexistem com ideias teologicamente incompatíveis. Trata-se de uma fé que crê, mas não articula; que professa, mas não sustenta.
O problema é profundo: a Trindade deixa de ser comunhão pessoal e torna-se conceito abstrato; Cristo deixa de ser o Deus encarnado e torna-se ícone ético; e a fé, esvaziada de coerência, torna-se sensível, emocional, mas frágil.
Por trás desses resultados há fatores complexos e podemos enumerar alguns:
a) A ausência de formação teológica sistemática.Grande parte dos cristãos contemporâneos nunca teve contato com uma teologia organizada. O ensino doutrinário nas igrejas foi, aos poucos, substituído por pregações motivacionais e devocionais, úteis à alma, mas insuficientes para sustentar a fé diante da complexidade cultural e filosófica atual.
b) O impacto do individualismo espiritual.A pesquisa mostra que 44% dos evangélicos consideram que adorar em casa é tão válido quanto participar de uma igreja, e 31% não se sentem obrigados a pertencer a uma comunidade de fé. Esse deslocamento da dimensão comunitária para a experiência privada traduz o espírito do tempo: o “cristão autônomo”, desconectado de corpo, doutrina e tradição.
c) A influência do relativismo e do pragmatismo.Muitos cristãos absorvem, sem perceber, valores do ambiente cultural: a ideia de que a verdade é flexível, que o “importante é amar”, e que “Deus entende”. Assim, a fé se torna subjetiva, moldada pelo conforto da consciência e não pela convicção revelada.
d) O declínio do discipulado profundo.O discipulado moderno tem privilegiado temas práticos, enquanto a formação doutrinária, que ordena o pensamento e estrutura o discernimento, foi relegada a segundo plano. Como resultado, temos cristãos piedosos, mas teologicamente desnutridos.
A incongruência entre fé e doutrina não é apenas um erro intelectual: é um risco pastoral. Uma comunidade que não sabe no que crê dificilmente saberá como viver o que crê.
Sem teologia sólida, a espiritualidade se dilui em experiências momentâneas. Sem doutrina, o discipulado perde direção.
A falta de coerência interna torna a fé vulnerável ao emocionalismo, ao sincretismo e à manipulação espiritual.
Teologicamente, isso indica um afastamento da tradição histórica da Igreja, aquela que, desde os credos apostólicos, sempre buscou afirmar a fé “una, santa, católica e apostólica” de modo claro e coerente.
Negar, ainda que inconscientemente, a personalidade do Espírito ou a divindade de Cristo é desarticular o coração da revelação cristã: o Deus que se revela como Pai, Filho e Espírito.
O problema é grave. Algumas direções podem reverter essa tendência, mas é preciso intencionalidade, coragem e disposição. Podemos:
1. Reencantar a teologia nas igrejas.Precisamos devolver ao púlpito e aos grupos de discipulado a dimensão do ensino teológico, não como erudição fria, mas como sabedoria para viver a fé com clareza. A teologia não é luxo acadêmico; é necessidade espiritual.
2. Valorizar os credos e confissões históricas.Revisitar o Credo Niceno, o Credo dos Apóstolos e as confissões reformadas ajuda os fiéis a compreender o esqueleto da fé cristã, aquilo que não muda com o tempo nem com a cultura.
3. Formar líderes como educadores da fé.Pastores, missionários e mentores precisam ser também professores de doutrina (entenda doutrina aqui, não se refere à “usos e costumes”, mas à teologia doutrinária), aptos a unir o zelo espiritual à precisão bíblica.
4. Promover o discipulado integral.O discipulado deve integrar mente, coração e prática, ajudando o cristão a compreender o que crê, por que crê e como isso transforma sua vida e suas relações.
5. Cultivar o senso de comunidade teológica.A fé não se amadurece em isolamento. É no diálogo com a tradição, com outros crentes e com a Escritura que o pensamento se depura e o coração se enraiza.
O State of Theology 2025 é mais que uma fotografia estatística; é um espelho espiritual. Ele revela que muitos creem sinceramente, mas não sabem no que creem.Essa não é uma crítica, mas um chamado: um convite à maturidade teológica, à fé consciente e coerente.
Crer em Deus é mais do que sentir: é compreender. E compreender é mais do que acumular conceitos: é permitir que a verdade transforme o modo de pensar, viver e amar.
A teologia, afinal, não é apenas o estudo de Deus, mas a arte de não O contradizer.
Essa realidade não é muito diferente aqui no Brasil e para que isso não seja em nós um fator de contradição, vale a pena investir em um bom curso teológico, mesmo que você não vá se tornar um “profissional da religião”.
Há muitos bons cursos e quero sugerir que faça algum destes (siga o link para ver as capacitações que preparei para ajudar pessoas de qualquer segmento).
Gedeon Lidório
Missionário, pastor, educador e psicanalista
Instagram: @gedeonlidorio
E-mail: gedeon@lidorio.com.br













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