O bom e mau, dois lados da mesma moeda
- Célio Juvenal Costa
- 5 de jun.
- 3 min de leitura
Célio Juvenal Costa, professor da UEM
Acho que já escrevi aqui neste espaço que sou um fã do seriado Jornada nas Estrelas. A primeira versão, produzida entre 1966 e 1969, traz o icônico capitão James T. Kirk, como capitão da nave Enterprise. Revendo a série algum tempo atrás, pois havia assistido quando era adolescente, me deparei com um episódio muito interessante e, como metáfora, muito atual. Trata-se do quinto episódio da primeira temporada intitulado “The Enemy Within”, algo como “O Inimigo Íntimo”.

Na história, durante o teletransporte (aliás, algo que eu continuo sonhando em presenciar...) do capitão Kirk, após uma falha no sistema, foi gerada uma cópia sua, mas com um grave problema: a versão criada era do seu lado mal, do seu lado egoísta, cruel, racional ao extremo. O mais interessante é que quanto mais a sua versão má se desenvolvia, mais a versão original perdia sua capacidade de liderar e de tomar decisões difíceis no comando da nave. Na continuidade da história o Senhor Spock (meio humano e meio Vulcano, lendário por sua capacidade lógica e racional) descobre que as duas versões de Kirk eram, na verdade, os dois lados dele mesmo, e que por detrás da gentileza que era sua característica, o seu lado mau era o que permitia que ele tomasse decisões rápidas, difíceis e impessoais. E, mais ainda, descobriu que se a cópia fosse morta, o original também morreria, pois o capitão não conseguiria viver somente com metade de sua personalidade.
Bem, creio que a história pode ser usada como uma metáfora bem interessante para nossa vida em geral. Tentarei explicar. Há pessoas que parecem que têm uma habilidade natural para a liderança, seja no âmbito familiar, de amizade, de trabalho etc. Pessoas com liderança geralmente acabam desenvolvendo uma habilidade política e passam a ocupar cargos ou funções de chefia, o que é muito natural. Ocupar posições de comando representa o exercício da autoridade e, por consequência, ter os bônus e os ônus de tal situação. Pois bem, é aí que eu acho que o episódio pode nos ajudar.
Exercer o comando de algo, representa, geralmente, o comando de pessoas, representa tomar decisões as mais das vezes impessoais, representa, entre outras coisas, desagradar. E está aí o que de mais difícil há no exercício da autoridade, pois agradar as pessoas atendendo sempre o que elas pedem é fácil; ser respeitado pelo fato de que ninguém fica decepcionado com suas decisões é igualmente fácil; ser sempre simpático e não colocar os limites que devem ser respeitados numa relação em que um exerce algum tipo de comando sobre alguém é, de novo, fácil. O difícil é aguentar os ônus das decisões, das chamadas de atenção, de distinguir amizade e camaradagem para ter que definir as coisas de forma impessoal.
Voltando à metáfora, usar somente o lado bonzinho para exercer o comando, ter autoridade, é correr o risco de enfraquecer-se na função, é correr o risco de se tornar marionete nas mãos de outros. O lado "mau" nos completa, nos faz inteiros, mesmo que, por vezes, as pessoas nos vejam como cruéis, desumanos, autoritários etc. Mas é assim que os principais líderes construíram seus comandos e foram respeitados. O comando é para gente forte, que tem coragem, inclusive, de assumir, em momentos necessários, seu lado extremamente racional. Claro que sempre é preferível ser liderado ou liderar com humanidade, num ambiente democrático e atencioso, mas ser apenas um líder bacana e legal pode ser enganoso para todas as pessoas envolvidas.
Meu Instagram: @costajuvenalcelio
Obs: Esta é uma versão revisada e atualizada de um texto originalmente publicado no blog: devaneioseoutrasreflexões.blogspot.com.
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