Isso não é amor, é crime: a farsa da honra e o horror do feminicídio
- Gedeon Lidório
- 29 de abr.
- 4 min de leitura
O feminicídio é uma das expressões mais cruéis da violência contra a mulher. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024, divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública no Brasil, uma mulher é assassinada a cada sete horas apenas por ser mulher. Esses números não são fruto do acaso ou da fatalidade, mas refletem uma cultura profundamente enraizada na misoginia, no patriarcalismo e na ideia deturpada de que o homem tem o direito de controlar a vida e o corpo da mulher. Muitos desses crimes ainda são justificados (no sendo comum da população brasileira) pela famigerada "defesa da honra", uma construção social que perpetua a impunidade e o abuso.
O feminicídio não é um gesto de amor, desespero ou honra. É um crime, um pecado grave, um ato demoníaco.
Historicamente, muitos agressores usaram a "legítima defesa da honra" para justificar assassinatos de mulheres. Essa tese foi durante anos aceita no meio jurídico como atenuante ou justificativa de crimes. Segundo o ConJur, o Supremo Tribunal Federal (STF) só proibiu formalmente o uso dessa tese em julho de 2023, declarando-a inconstitucional, antes disso, a tese foi frequentemente aceita em tribunais do júri, resultando até em absolvições de homens que mataram suas esposas ou companheiras.

A ideia de que um homem teria o "direito" de reagir violentamente à suposta traição de sua parceira é uma herança perversa de um sistema patriarcal que enxerga a mulher como propriedade do homem.
Por mais que muitos tentem PERVERTER o texto bíblico, a Bíblia jamais fundamentou esse tipo de relação. A verdadeira honra é fruto de um caráter justo diante de Deus. “Mais digno de ser escolhido é o bom nome” (Provérbios 22:1). A honra bíblica é fruto de humildade, não de controle; de amor, não de violência.
A mulher foi criada à imagem e semelhança de Deus, com igual dignidade e valor: "Criou Deus, pois, o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou" (Gênesis 1:27).
Jesus foi revolucionário ao tratar as mulheres com respeito, dignidade e afeto em um contexto de forte opressão patriarcal. Ele dialoga com a mulher samaritana (João 4), cura e honra a mulher do fluxo de sangue (Marcos 5:34), e elogia a escolha de Maria de sentar-se aos seus pés para aprender (Lucas 10:38-42) coisa impraticável naquela sociedade.
No ensino apostólico, Paulo (que muitos, erroneamente afirmam, que perpetua um machismo) afirma: "Maridos, amai vossas mulheres, como também Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela" (Efésios 5:25). Essa não é uma ordem de domínio, mas de entrega, cuidado e sacrifício.
Homens que cometem feminicídio muitas vezes foram ensinados desde cedo a reprimir emoções, negar a própria vulnerabilidade e afirmar a masculinidade através do controle, poder e violência. A violência surge como expressão final de uma masculinidade frágil, que não sabe lidar com o "não", com a perda, com a autonomia feminina.
Em muitas culturas, a masculinidade é definida por ritos de domínio, força e superioridade sobre mulheres. Isso cria um ciclo em que a mulher é vista como "parte" da honra do homem. Desafiá-lo seria "provocação". Esse tipo de pensamento legitima o abuso.
O patriarcado como sistema social constrói a ideia de que homens são superiores, mais racionais e mais capacitados. A cultura do estupro, o silenciamento das mulheres, a impunidade judicial e o machismo cotidiano são expressões de uma estrutura que empurra as mulheres para a morte. Isso é fruto da queda do ser humano, do pecado que não só invadiu nossas vidas como corrompeu todas as nossas estruturas.
Jesus subverte a lógica do poder, quando diz: "Quem quiser ser o maior entre vós, seja vosso servo" (Mateus 20:26). O verdadeiro homem cristão é aquele que serve, protege, honra, cuida. A masculinidade segundo o Evangelho é marcada pela renúncia ao poder destrutivo.
Amor não é posse. Amor não mata. Paulo define: "O amor é paciente, é benigno; o amor não arde em ciúmes, não se ufana, não se ensoberbece, não se conduz inconvenientemente, não procura os seus interesses, não se exaspera, não se ressente do mal" (1 Coríntios 13:4-5).
Matar uma mulher por ciúmes, rejeição ou perda de controle é expressão de um egoísmo profundo, de idolatria de si mesmo, de rejeição ao amor verdadeiro e submissão a princípios demoníacos. A masculinidade que fere não é humana, é doente. A masculinidade que mata não é cristã, é anticristo.
Muitas igrejas permanecem em silêncio diante do feminicídio. Seja por desconhecimento, medo ou conivência e esse silêncio é pecado. O sangue das mulheres clama desde a terra, assim como o sangue de Abel (Gênesis 4:10). Deus não se calou com Abel e não se cala diante do sangue inocente. Por que a igreja deveria?
Homens cristãos são chamados a romper com a cultura do abuso. Devem ser os primeiros a denunciar, a proteger, a acolher e a ensinar outros homens a desaprender a violência. Ser homem de Deus é ser homem de paz, não de guerra contra as mulheres.
A verdadeira honra está em se arrepender. Em reconhecer o erro, pedir perdão, buscar ajuda e transformar-se. Homens que cometeram abusos precisam ser confrontados, responsabilizados e, se houver arrependimento genuíno, restaurados em Cristo.
Antes de qualquer coisa, é preciso proteger as mulheres. Denunciar a violência. Quebrar o ciclo. Gritar contra o silêncio. E construir uma nova geração de homens que veem nas mulheres não ameaças, mas irmãs em Cristo.
A masculinidade também precisa ser redimida. Podemos fazer a pergunta: o que significa ser homem sem precisar ferir as mulheres? Sem precisar controlá-las, sem ser necessária nenhuma violência, poder e controle das vidas, das vontades e dos corpos delas?
Esse é um assunto para um outro artigo.
Que Deus nos ajude.
Pr. Gedeon Lidório
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E-mail: gedeon@lidorio.com.br
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