Do Éden ao Congresso: a teologia do domínio e a busca pelo poder cristãoParte 2
- Gedeon Lidório
- há 8 horas
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Parte 2
Embora os fundamentos bíblicos da Teologia do Domínio estejam presentes na interpretação desde os primeiros capítulos do Gênesis, a formulação sistemática dessa teologia como um projeto de transformação sociocultural e política é um fenômeno relativamente recente. Ela surge principalmente no contexto do protestantismo norte-americano do século XX, com forte influência da teologia reformada, do pós-milenismo, e do reconstrucionismo cristão.

O Reconstrucionismo Cristão é considerado a principal raiz ideológica da Teologia do Domínio. Fundado por Rousas John Rushdoony (1916–2001), esse movimento defende que a sociedade deve ser reconstruída com base nos princípios da lei bíblica, incluindo a aplicação de normas veterotestamentárias à vida civil moderna. Rushdoony via a Bíblia como a única base legítima para a ética pública e a legislação.
Outro nome influente foi Gary North, genro de Rushdoony, que expandiu as ideias do reconstrucionismo no campo da economia e da política, propondo uma substituição completa das estruturas seculares por uma teocracia bíblica. Essa proposta inclui a rejeição da separação entre Igreja e Estado, promovendo uma leitura teonomista da Escritura.
O pano de fundo escatológico desse projeto é o pós-milenismo, doutrina segundo a qual o Reino de Deus será progressivamente instaurado na história, antes da segunda vinda de Cristo. Dentro dessa visão, o domínio cristão das instituições humanas é visto não apenas como possível, mas como inevitável.
Embora o reconstrucionismo tenha dado forma à Teologia do Domínio em sua versão mais radical, há contribuições importantes que vêm de dentro do pensamento reformado clássico. O teólogo e estadista holandês Abraham Kuyper (1837–1920) desenvolveu a ideia de que “não há um centímetro quadrado na existência humana sobre o qual Cristo, que é soberano, não clame: é meu!” — um dos lemas mais citados por dominionistas.
Kuyper, no entanto, propunha uma coexistência de esferas sociais autônomas sob o senhorio de Cristo, não necessariamente o domínio político de cristãos sobre não cristãos. Ainda assim, suas ideias foram reinterpretadas por movimentos que desejavam um envolvimento cristão mais direto e determinante nas esferas do poder.
O filósofo e teólogo Francis Schaeffer também teve papel fundamental, especialmente no campo cultural. Em sua crítica à secularização da sociedade ocidental, Schaeffer conclamava os cristãos a se engajarem na cultura para resgatar os valores cristãos. Embora não fosse reconstrucionista, sua obra influenciou líderes que depois adotaram a Teologia do Domínio.
A partir dos anos 1990, a Teologia do Domínio passou a influenciar também setores carismáticos e neopentecostais, especialmente através da popularização do movimento Sete Montanhas de Influência (Seven Mountains Mandate).
Esse desdobramento marcou uma virada: o discurso dominionista deixou de ser restrito ao campo intelectual reformado e passou a ser promovido por líderes carismáticos midiáticos, como Lance Wallnau e Bill Johnson, alcançando grande penetração em contextos evangélicos ao redor do mundo, especialmente na América Latina e na África.
A Teologia do Domínio reúne elementos de diferentes correntes cristãs, como o pensamento reformado e a espiritualidade pentecostal. Seu atrativo está em oferecer uma visão de propósito e vitória aos que se sentem em conflito com os rumos do mundo atual. Porém, essa proposta de “tomar a sociedade para Cristo” não vem sem conflitos internos e críticas sérias, que serão analisadas na sequência deste artigo.
Espero você lá!
Prof. Gedeon Lidório
Teologia, Antropologia, Filosofia e Psicanálise
Instagram: @gedeonlidorio
E-mail: gedeon@lidorio.com.br
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