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Padronização, mesmice e massificação

Por Célio Juvenal Costa, professor da UEM


Há alguns anos resolvi assumir definitivamente minha parte no conflito de gerações. Fui a um baile formatura e não consegui passar da sexta música que a banda estava tocando. Apesar do ótimo jantar, da companhia agradável, das pessoas bonitas e elegantes, especialmente as formandas, quando o "baile" de fato começou a realidade me chocou como uma pedra na testa, pois, me desculpe quem gosta, mas esta onda do sertanejo universitário, mesclado com o funk, é difícil de suportar. A mesmice das letras, aliado a um conteúdo erótico nada velado, é de uma pobreza poética chocante. Mas, como tenho a mania de ficar pensando a respeito das coisas da atualidade e me perguntar a razão delas, me ocorreu que uma das mudanças ocorridas nas festas em geral de hoje em dia em relação a um passado recente é a padronização das músicas.  

Como eu acho muito chato falar coisas como "no meu tempo as coisas eram assim" e "antigamente era assim", vou usar aqui uma espécie de eufemismo: há pouco tempo, quando da minha juventude, haviam três tipos de festas com músicas diferentes, as quais marcavam a distinção entre elas: o carnaval, os bailes de formatura e as baladas/festas em geral. No carnaval o que era característico eram as marchinhas e os sambas-enredo, em cujos bailes o que predominava era dançar solto e "pular" o carnaval; nos bailes de formatura havia uma mistura de ritmos, mas havia espaço para samba e, acreditem os mais novos, até para bolero, ritmos em que o casal dança junto; nas baladas, mais recentemente, se escutava e se dançava axé, sertanejo, música gaúcha, rock, pop etc. Ultimamente, o que se observa é que independente do tipo do baile, são as mesmas músicas que predominam: o sertanejo universitário, o axé e o funk. 

 

Fico me perguntando quais as razões de tal padronização musical? Por que há uma mesmice nos momentos de festa da moçada hoje em dia? O que significa tal massificação de tão poucos estilos(?) musicais, especialmente do sertanejo universitário? A única resposta que encontro, pelo menos por ora, é que as festas expressam uma dinâmica social em que os comportamentos, os gostos, a moda se tornaram padronizados, impulsionados por uma outra dinâmica que é a do consumismo. O consumo desenfreado é determinado pelo mecanismo da carência, a qual, uma vez instalada, cria uma necessidade de supri-la para ter a sensação do prazer. Tal mecanismo é facilitado quando há uma espécie de homogeneização das carências e, portanto, das necessidades e, portanto, ainda, da forma de obter satisfação e prazer.

 

A música, numa sociedade de consumo, é uma mercadoria como qualquer outra, e, portanto, o investimento da propaganda musical cria uma espécie de linha de consumo única, por meio da simplificação das letras, da padronização dos ritmos, numa espécie de massificação de um produto. Para que a música seja bem consumida, as letras não são muito elaboradas, gerando uma identificação quase que imediata da vida do ouvinte com a história contada na música. Seja cantar a perda de um amor, a conquista de outro, a vingança da traição, a curtição da vida, por meio do prazer e do sexo, as letras dizem respeito, geralmente sem qualquer grande elaboração, à vida do sujeito, também vivida sem grandes elaborações. Num mundo em que somos cada mais impelidos a nos sentir cada vez mais carentes, as festas se tornam quase que essenciais para conhecermos pessoas, nos relacionarmos e, é claro, acharmos parceiros, e, como tempero, nada melhor do que a música.

 

Claro que existem festas, baladas, bares em que o jazz, blues, rock, MPB ainda tocam. Ainda bem, diga-se de passagem!! Mas, me parece que são eventos menos procurados, frequentados quase que por guetos. A maioria está em outra "vibe"; a maioria é levada, quase que imperceptivelmente, a consumir um produto fácil, barato, emotivo e renovado constantemente (quantas duplas sertanejas existem mesmo??).

 

Em 2017 fui pela primeira vez no carnaval no Rio de Janeiro. Um dia antes de ir na Sapucaí para assistir ao espetáculo do desfile das Escolas de Samba meu amigo me levou para o carnaval de rua no centro do Rio, para participar do bloco Embaixadores da Folia. Minha emoção foi muito grande, pelo simples motivo de que eles tocavam apenas marchinhas de carnaval e sambas-enredo clássicos, pois da última vez que tinha ido a um “baile” de carnaval em um clube aqui da cidade onde moro, tive que sair bem antes do final, pois a banda teve a infeliz ideia de tocar um sertanejo universitário.

 

Faz algum tempo que não vou a bailes de formatura, mas pelo que vejo em outros eventos, até mesmo no Rock in Rio, a padronização, a mesmice e massificação continuam a ser a tônica.

 

 

Meu Instagram: @costajuvenalcelio

 

Obs: Esta é uma versão revisada e atualizada de um texto originalmente publicado no blog: devaneioseoutrasreflexões.blogspot.com.

1 comentário


Oscar Nakasato
há 4 dias

Você tem todas as razões nesse texto!!! E sua escrita é fluida, não dá vontade de parar de ler quando se começa a ler!

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