Dia do Patriota Conservador

Por Clóvis Melo, jornalista e gestor

A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou o prosseguimento do projeto de lei que cria o Dia do Patriota Conservador.

Definições

Patriota, segundo o Michaelis, é aquele que ama sua pátria e procura servi-la. Pátria é o lugar de origem da pessoa.

Conservador é quem é contrário a mudanças ou adaptações de caráter moral, social, político, religioso etc. Defende a preservação das instituições, costumes e valores sociais tradicionais no contexto da cultura e da civilização. 

Patriota conservador? Alguém que diz amar e servir seu país, sendo defensor da manutenção do status quo (as coisas como estão).

O projeto

“Artigo 2º: O Dia do Patriota Conservador tem como objetivo promover a reflexão sobre a importância da cidadania, o fortalecimento dos valores patrióticos e o respeito à história e à cultura nacional, incentivando a participação da população em atividades cívicas, educativas e de promoção da identidade nacional.”

Não entendi

Ora se o objetivo do projeto é que reflitamos sobre cidadania, história e cultura nacional, onde entra o “Patriota Conservador” nisso?

Qual identidade nacional será promovida? A que se iniciou com a Independência, em 1822? A da era Vargas, pautada na formação de uma estrutura burocrática estatal? Nossa língua comum? A das décadas de 60 e 70? A da “pátria de chuteiras”? A da globalização?

Nossa identidade nacional não está formada, segue em construção. Trata-se de um processo contínuo, dinâmico, secular.

Conceituando

História é a ciência que estuda as ações humanas no passado e no presente. O objetivo é compreender como as sociedades se transformaram ao longo do tempo e do espaço. 

Para mostrar como o assunto é complexo, falemos de história do Brasil. A história clássica que aprendemos na escola, do descobrimento do Brasil, é eurocêntrica. Para os indígenas que aqui moravam, e que foram dizimados pelos europeus, não havia nada a descobrir. Foram os antepassados deles que descobriram. O crédito, injustamente, ficou com Dom Pedro Cabral.

O que os índios descobriram naquele dia e depoia, na verdade, não era nada bom, sob a ótica dos indígenas. Ao contrário, foi tão ruim que a história deles, tão legítima quanto a dominante, foi praticamente exterminada – literal e metaforicamente falando.

As consequências disso vemos todos os dias nos sinaleiros de Maringá.

Vamos lançar luzes sobre qual (quais) história(s)? Qual contexto? Qual ponto de vista? Queremos refletir ou só ouvir? Saber a lição de cor, só restando aprender?

Tem mais

O raciocínio acima desenvolvido desemboca, por consequência, na alteridade. Assim como nossa percepção da luz depende do conhecimento da escuridão (e vice-versa), só é possível existir um patriota se houver outro ser humano que não o seja – impatriota, antipatriota, antinacionalista…

Só há um conservador se houver o seu contrário. Quem? Liberais, modernos, inovadores, revolucionários, progressistas. Tudo isso está no dicionário, ok?

Além disso, da forma como está proposto, conclui-se que nem todo patriota é conservador, pois, se fosse, o conservador não precisaria estar presente na sentença. Estaria subentendido. Seria pleonasmo.

Então, depreende-se a existência de um patriota que não é conservador. Um patriota liberal, patriota revolucionário etc.

Por pura lógica, como diria o sr. Spock, chegamos à conclusão que o patriotismo não é propriedade exclusiva de nenhum grupo.

Seeeentido!

Fomentar a participação do cidadão em “atividades cívicas” é o que? Ir ao desfile de 7 de setembro? Cantar o hino à Bandeira? Voltar com as aulas de OSPB nas escolas e de EPB nas faculdades?

Estudei no Colégio Militar. Aqueles primeiros, do Exército. Tive todas essas aulas, sei os hinos de cabeça e desfilei quilômetros em cada data comemorativa dessa.

Mas a “participação cívica”, uma conquista da nossa sociedade no longo caminho da democracia e cujo conceito é mais amplo e, por força disso, mais complexo e bem mais importante, sigo formando ao longo de minha vida.

Em meio às indignações, inquietudes e descrenças que são consequência da sociedade em que vivemos, cuja identidade é multifacetada, profunda, heterogênea e nem sempre tão bela, heroica e verde-amarela como se apresenta em alguns hinos e livros.

Para que essa participação cívica existisse hoje, pagou-se um preço alto no passado. E que segue sendo cobrado no presente. Para cada herói dos hinos, milhares de anônimos pereceram.

Ser patriota é não ter medo de oferecer seu próprio sangue em holocausto no altar da liberdade, para fazer sua defesa. Quando estive no serviço militar, aos 16 anos, tinha essa disposição. Ela me acompanha até hoje.

Há muitas palavras bonitas para falar de patriotismo. Mas o que define um verdadeiro patriota são as ações. Agregar, em vez de dividir, é uma delas.

É mais do que bater no peito. É “abrir o peito à força, numa procura”.

Finalizando

Dito isso, entendo que o termo Patriota Conservador está fora de contexto. Se a proposta realmente se apresenta sem proselitismo político, sugiro a mudança do nome para Dia do Povo Brasileiro – bem assim, de todos. E que, no fim das contas, é todo dia.

Faltam 1328 dias para as eleições de 2028.