Decifrando o 8 de janeiro de 2023, capítulo 3; questões cruciais.
- Walber Guimarães Junior

- há 4 dias
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Um evento como o 8 de janeiro, pela gravidade e circunstâncias, não é algo que se possa realizar uma radiografia completa, linear e inflexível, porque a dinâmica dos fatos, as incertezas do eventual planejamento e o fator humano, com reações imprevisíveis em situação tão impactante, gera incertezas que sustentam o debate e impedem que qualquer retrato seja tomado como definitivo. Neste capítulo, nossa maior preocupação é exatamente apontar para as questões cruciais que geram dúvidas para o efetivo esclarecimento dos fatos.

A questão mais relevante é o real papel desempenhado pelo ex-presidente no 8 de janeiro. As atitudes anteriores ao fato deixam sempre implícitas o desejo de que algum fato “extracampo” pudesse gerar uma reação popular irreversível, hipótese sustentada pela crença, sempre flagrante e expressa com veemência, que Bolsonaro tinha convicção da vitória, inclusive seguindo a lógica que qualquer candidato já conhece; o calor da disputa e o envolvimento emocional sempre transmitem uma leitura enviesada da realidade.
Não se sabe até que ponto o ex-presidente teve conhecimento dos fatos e se interferiu, ainda que parcialmente, das inúmeras peças e planos preliminares, cuja publicidade se tornou explícita em momentos posteriores. Ainda que não se discuta que as declarações de Bolsonaro, principalmente contra as urnas, geraram quase uma comoção popular de condenação ao resultado eleitoral, fato explícito nas redes sociais e entrevistas da época, porém nada disto permite a correlação direta com os eventos do 8 de janeiro. Talvez esta seja a questão crucial para definir o grau de envolvimento e cumplicidade com a tentativa de golpe.
Esta questão remete ao segundo ponto controverso, sobre a hierarquia real do planejamento, ainda que as investigações apontem para o fracionamento das ações em áreas diversas, inteligência, desinformação, logística, construção de elos sociais, políticos, empresariais e militares. Difícil imaginar, até pelo currículo dos envolvidos, que tudo tenha sido resultado de um mosaico de ações que se desenvolveram sem um comando central, todavia nada aponta para o líder ou comando efetivo, permitindo que as ilações apontem para os mais graduados; General Braga Neto e Augusto Heleno, próximos ao núcleo do poder, instalados no Palácio do Planalto, além das possibilidade jamais descartada de que tudo teve a mão forte do ex-presidente que, talvez, tivesse amplo conhecimento e a última palavra a cada ato criminoso.
O terceiro ponto realmente relevante é a profundidade do envolvimento das Forças Armadas e do Gabinete de Segurança Institucional no desenho da tentativa de golpe e na conivência com os fatos preliminares, como a concentração em frente aos quartéis, sempre admitida e em alguns momentos estimulada, além da dúvida persistente da omissão ou cumplicidade com a proteção do Palácio do Planalto, algo profundamente suspeito ainda que nada permita apontar para qualquer dos nomes formalmente.
O envolvimento notório de militares indica a provável hierarquização do planejamento e das execuções, mas não há nada que aponte para igual organização no grupo político, talvez indicando que foi a afinidade e intimidade com o núcleo do poder que definiu a participação dos atores políticos.
Recorrente também são as dúvidas sobre o grau de conhecimento prévio dos fatos, quais as informações que foram compartilhadas, inclusive por ser uma questão crítica para definir envolvimento ou cumplicidade individual de cada liderança. Na esfera militar a fotografia revela quase todos os nomes que estiveram à frente da formatação da estratégia, mas isto não se repete no teatro político. É inquestionável o nível elevado de informações que chegaram ao governo do DF, restando julgar o nível de comprometimento da omissão se configuram incompetência ou cumplicidade.
Embora o raciocínio de que a eventual facilitação do atual governo se prestasse ao papel de vitimizar Lula e seu governo, levando ao relaxamento e omissão nas ações de contenção, não há, efetivamente nada que permita qualquer conclusão definitiva. Mesmo a passividade de alguns agentes, fato demonstrado amplamente nas transmissões de televisão, não se pode afirmar se tal reação permite um julgamento conclusivo pelo simples fato de que a defasagem numérica exigia que o bom senso prevalecesse, face a impossibilidade de um enfrentamento contra a horda enfurecida de manifestantes.
Restam ainda dúvidas em relação aos maiores financiadores do atentado porque, seguramente o custo foi muito elevado e seria muito ingênuo imaginar que estes valores decorrem das famosas “vaquinhas”, tão rotineiras quanto as motociatas do grupo de poder. O silêncio abre a imaginação popular, em um país notório pela proteção ao andar de cima, considerando ainda que estes nomes não foram encontrados ou, até mais provavelmente, omitidos por razões que o Brasil bem conhece.
A extensão da trama golpista e a relação entre cada fato criminoso apontado, desde as tratativas preliminares, elaboração dos planos, das operações logísticas, da organização financeira exigiram um longo tempo de planejamento, permitindo supor que as projeções iniciais precedem o resultado das urnas, como demonstram algumas peças recolhidas nas provas jurídicas (as minutas do golpe são do meio do ano anterior), restando, no entanto, a dúvida sobre quais as esferas de poder envolvidas e quais os articuladores, além daqueles listados nas ações penais que participaram de algumas etapas, como por exemplo o financiamento das articulações.
Na etapa posterior à tentativa de golpe, também resultam questões em aberto, registrando que no capítulo seguinte, oferecemos exclusivamente respostas inequívocas porque sustentadas por provas contundentes.
A possibilidade de infiltração de esquerdistas, supostamente interessados no cenário de caos a ser debitado para a direita, povoa a mente de muita gente, estimulada por inúmeras narrativas e até vídeos, viralizados nos meses seguintes.
Em relação a obstrução da justiça e apagamento de provas, em especial em relação a totalidade das imagens dos cenários de destruição, fato que resulta em centenas de questionamento, inúmeras versões e poucas respostas, além da eventual blindagem de figuras que poderiam estar no centro das decisões e sobre as quais não foram ligados os holofotes.
Por fim, o papel das mídias e redes sociais precisa ser avaliado e até questionado pela facilidade que ofereceu versões, algumas lunáticas sobre os episódios, mas principalmente pela omissão da quase totalidade dos veículos de comunicação em combater o quadro de desinformação que antecedeu o 8 de janeiro e, ainda mais acentuada, a cobertura oferecida por inúmeros influenciadores que os leva ao limite da responsabilização pela radicalização do clima e da perpetuação de narrativas fakes, amplamente consumidas e assumidas por um contingente de pessoas, como bem explica a Teoria das Comunicações, ávidas em receber quaisquer argumento que combinasse com suas crenças, fato identificado e gravemente explorado pelo marketing da direita.
Resta ainda registrar que a imensa maioria das pessoas que vandalizaram os prédios públicos eram cidadãos comuns, sem nenhum traço de criminalidade, totalmente desprovidos de capacidade organizacional para a execução de um golpe, sem nenhum registro de qualquer terrorista, mas simplesmente uma massa absolutamente comprometida com as narrativas criminosas de adulteração das urnas, homogêneas no pavor da volta da esquerda ao poder, como se o próprio Lúcifer pudesse ser investido no comando da nação e, com esta questão em aberto, talvez conduzidas com maestria por profissionais treinados e aptos a criar o ambiente desenhado como necessário para eventualmente permitir as etapas posteriores da tentativa de golpe.












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