Decifrando o 8 de janeiro. Capítulo 1; a inspiração.
- Walber Guimarães Junior

- há 5 horas
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Por Walber Guimarães Junior, engenheiro e comunicador
(série de textos com revisão crítica do episódio).
Fechar esta triste página da história brasileira, exige um esforço para traduzir as questões que ainda desafiam a compreensão dos fatos dentre tantos que trafegam no limbo, lendas, fakes ou realmente dúvidas em aberto. Acredito que é fundamental um esforço isento para uma releitura imparcial que traga lições e nos permitam virar esta página da nossa história com dignidade. Este é o desafio que me proponho, estimulado por queridos amigos que tentarei executar expurgando ranços ideológicos pessoais, sem a menor pretensão de fechar a questão, mas apenas para contribuir com o registro dos fatos inquestionáveis das questões que seguirão estimulando o debate e a compreensão real do principal ataque à nossa democracia neste século.

Por questão de coerência e para permitir que o próprio leitor consiga descontaminar eventuais indícios de leitura pessoal, tentarei ser bastante objetivo, enfatizando sempre que os fatos estiverem sob ótica pessoal e, por isso, começo com uma visão pessoal das inspirações e diretrizes que conduziram ao 8 de janeiro de 2023.
Julgo que a relação explícita de admiração da gestão anterior brasileira em relação ao governo Trump, em seus aspectos ideológicos, pauta conservadora e pragmatismo eleitoral, abrem o caminho para que se trace um paralelo entre o 6 de janeiro americano, o episódio de invasão do Capitólio, sob inquestionável inspiração de Donald Trump, e o evento trágico brasileiro. Foi praticamente uma versão tupiniquim, com muitas similaridades e alguns aspectos divergentes, mas, como forma geral, podem ser simplificados por um ataque deliberado contra as instituições para fragilizar a democracia, reverter os resultados das urnas, com a condução da massa através da manipulação de informações.
Poderia afirmar até que o episódio do Capitólio foi um roteiro, quase um manual de instruções, para o nosso 8 de janeiro. Além dos vínculos ideológicos, lideranças importantes do movimento MAGA (Make America Great Again) tiveram ligação direta com o grupo próximo de Jair Bolsonaro, principalmente com seus filhos. Steve Bannon e Jason Miller, estrategistas e conselheiros notórios de Trump, mantiveram contato direto com as lideranças de Bolsonaro durante os anos de 2021 e 2022, fato de domínio público, e podem ter servido de orientadores para a construção do ambiente de golpe desejado.
Buscando objetividade, cito as questões que aproximam os dois eventos;
· A necessária construção da narrativa que foi ainda mais explícita por Trump, passou por referências diretas e indiretas de Bolsonaro, onde foi um trabalho intenso e amplamente documentado do autodenominado Gabinete de Ódio, instância maior do marketing digital da direita brasileira;
· A contestação do resultado eleitoral que nos EUA percorreu um caminho, a desconfiança sobre a apuração manual em alguns estados e no Brasil, a insistente narrativa da possibilidade fraude nas urnas eletrônicas;
· A atuação do líder derrotado, explícita nos EUA, com Trump fazendo convocação direta aos eleitores, e implícita no Brasil no comportamento dúbio de Jair, demorando para reconhecer a derrota ou pedir resignação aos eleitores, insinuando que poderia haver reação espontânea;
· A participação dos órgãos de segurança, ambos na penumbra da transição de governo, tanto nos EUA, através do FBI quanto no Brasil pela PF e ABIN, que alertaram para a gravidade dos fatos preliminares, da possibilidade latente de ações descontroladas, mas foram ignoradas em diferentes escalões em omissão criminosa ou cumplicidade explicita com os fatos posteriores;
· Nos dois países a horda de inocentes úteis estavam trajadas com as cores nacionais, embaladas por fervor cívico e dominados pelo imperioso desejo de construir, com as próprias mãos, uma página da história, vítimas das narrativas que chegam ao limite de produzir sequelas cognitivas;
· Necessidade nos dois países de produzir imagens icônicas durante a profanação de espaços públicos, como ocupar a cadeira do presidente da Câmara, fato que se repetiu com excessiva similaridade;
· Por fim, nos dois países, os atos preparatórios desfilaram pelos espaços digitais, inclusive com levantamento de recursos e organização de caravanas, amplamente divulgadas nas redes sociais, sempre alicerçados na desinformação e insinuando a possibilidade de reconstrução da ordem emanada das urnas;
Por outro lado, são também as diferenças de Brasília e do Capitólio que aproximam os roteiros e tornam plausível a hipótese de inspiração americana no episódio brasileiro, a saber;
· No Brasil, o objetivo maior era criar um clima de contestação que gerasse a possibilidade de golpe e nos EUA, o objetivo de curto prazo era impedir a certificação eleitoral que ocorreria naquele dia;
· Também são marcantes as diferenças de dimensão entre os espaços atacados, sendo somente o Congresso americano, poupando a Casa Branca e a Suprema Corte e no Brasil, talvez estimulado pela proximidade física, atingindo os três poderes;
· Outra diferença essencial foi a omissão das forças armadas americanas, inclusive atuando preliminarmente para impedir a participação de militares e a evidente conivência de inúmeras lideranças militares brasileiras, seguramente entre os mais empolgados com a possibilidade de golpe;
· Como diferencial final, a reação da classe política americana, até mesmo com os Republicanos mantendo razoável distância dos fatos, com o envolvimento eloquente de lideranças políticas brasileiras;
Acredito que a lista de coincidências e diferenças permitam, em conjunto, fechar a primeira das conclusões; o 8 de janeiro teve inspiração no Capitólio americano, consultoria de especialistas americanos e planejamento que se utilizou de uma intensa análise de caso, corrigindo caminhos e ajustando ao roteiro desenhado preliminarmente para se harmonizar com o aparato jurídico previsto para “legalizar” a tomada do poder.
Encerro esta etapa preliminar e te convido para seguir comigo nos próximos capítulos da triste história da aventura golpista brasileira.














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