BETs
- Célio Juvenal Costa
- há 1 dia
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Célio Juvenal Costa, professor da UEM
“Desde janeiro, apenas casas autorizadas pelo Ministério da Fazenda podem operar no Brasil, seguindo regras específicas e utilizando o domínio bet.br. Hoje,72 empresas estão autorizadas, somando 156 marcas, além de outras 7 empresas que atuam por decisão judicial, ligadas a 18 marcas”. Esta informação foi publicada no site da Revista Exame no dia 13 de maio deste ano. Desde que as BETs foram liberadas no Brasil, vimos disparar a febre das apostas rápidas, feitas diretamente pelo celular ou pelo computador, a qualquer momento do dia. Segundo estimativa do Banco Central, os brasileiros gastaram, de janeiro a março de 2025, cerca de 30 bilhões de reais em apostas online. As empresas de apostas patrocinam 18 dos 20 clubes de futebol da séria A no Brasil, com um total de 887 milhões de reais em contratos anuais. Ou seja, as BETs se tornaram, rapidamente, um negócio bilionário no Brasil. Mas, e aí, porque falar delas? Porque, para tratar deste assunto, é necessário falar pelo menos em vício, expectativas e desilusões.

O ser humano é dado a vícios. As religiões estão aí para, dentre outras coisas, oferecer saídas para os vícios humanos. Em uma rápida busca pela definição de vício temos: “Vício, do latim ‘vitium’, que significa ‘falha’ ou ‘defeito’, é um hábito repetitivo que degenera ou causa algum prejuízo ao viciado e aos que com ele convivem”; e, “tendência específica para algo indecoroso ou nocivo ou qualquer ato ou conduta por essa tendência motivada”. O vício em jogo está entre os que mais são prejudiciais, pois, normalmente a pessoa prejudica não só a ela, mas também sua família, ou aqueles que dela dependem. No caso das BETs, há vários estudos hoje mostrando como tem crescido exponencialmente no Brasil os casos de viciados e, consequente, dos endividados por causa das apostas. E, também, deve-se levar em conta que a facilidade com que as apostas são realizadas, pois não é preciso dirigir-se a um lugar específico para jogar, como cassinos e congêneres, potencializa, e muito, o vício.
O ser humano vive de expectativas. Desde que passamos ter alguma noção da vida, de que algumas coisas nos fazem bem e outras nos fazem mal, criamos uma expectativa de nos cercarmos de coisas e pessoas que nos tragam felicidade, e de afugentarmos coisas e situações que nos tornam infelizes. Criamos expectativa em relação a amizade, nas relações amorosas, nos nossos estudos, no nosso trabalho etc. Temos expectativas de que possamos ter uma vida confortável e, assim, aproveitar as inúmeras oportunidades que a sociedade nos oferece para sentirmos prazer. Algumas pessoas criam a expectativa de conseguir ganhar muito dinheiro de forma rápida com as apostas em jogos e, assim, encurtar o caminho rumo a uma vida com mais prazeres do que sofrimentos, pois, nesta forma de expectativa, o dinheiro significa o instrumento para o prazer e, consequentemente, o caminho para a felicidade.
O ser humano se desilude. Seja porque as expectativas não se realizam, seja porque a realidade teima em “passar a perna”, seja porque aquilo em que se apostou (materialmente ou de outra forma) não deu o retorno que se queria. A desilusão, assim, pode acarretar uma desistência geral de se buscar o que se queria, ou, também, pode ser algo que impulsione a continuidade da busca. A desilusão pode ser também, digamos, parcial, ou seja, desistir das metas mais audaciosas e se manter na realidade com aquilo que parece ser mais exequível.
O problema, no caso do nosso tema de hoje, é que a desilusão por não conseguir ganhar dinheiro nas apostas, ou seja, por não concretizar as expectativas de ficar rico, ao invés de fazer a pessoa desistir, gera uma necessidade constante de continuar tentando a todo custo. Neste caso, o problema das BETs é que a pessoa pode apostar quantas vezes ela quiser ou puder e a qualquer hora do dia. Assim, a frustração, paradoxalmente, alimenta o vício, se torna um combustível renovável para fomentar as mesmas expectativas. Afinal, as pessoas sempre ganham alguma coisa em algum momento.
O economista Milton Friedman disse, certa vez, que “no capitalismo não existe almoço grátis”, pois tudo o que é oferecido como vantagem, tem seu preço, e por vezes bastante alto. Não é à toa que praticamente metade das propagandas nos canais de TV hoje em dia são de alguma BET, que parece que surgem da noite para o dia. E, por mais que as propagandas hoje, me parece que por determinação legal, façam alertas de que se deve jogar por diversão apenas e com responsabilidade, está claro que o que elas querem é que as pessoas apostem cada vez mais. As ofertas das empresas vão desde crédito em dinheiro para adesão até o envio de pix na hora do valor que se ganhou, gerando a ilusão de que o investimento terá retorno garantido. O que, de fato, acontece é que as pessoas se tornam reféns, primeiro de suas próprias expectativas e, concomitantemente, das empresas que fazem de tudo para que ela continue apostando sempre. O problema é que as dívidas que a pessoa que se vicia faz não é com a empresa, pois ela não empresta o dinheiro para a pessoa apostar, e, normalmente, as dívidas, como apontei acima, não se restringem ao próprio viciado, mas atingem a sua família.
De minha parte, eu nunca fiz aposta em BETs, não pelo receio de perder dinheiro, mas, exatamente o contrário, pelo fato de que eu posso ganhar alguma coisa. Se eu ganhar, especialmente nas primeiras apostas, eu sei que vou querer apostar mais para ganhar mais e, mesmo perdendo depois, vou querer apostar mais para, ao menos, recuperar o dinheiro que perdi. É exatamente nesta roda-vida que não quero entrar. Minhas expectativas de ficar rico por meio de algum atalho ficam nas apostas que faço semanalmente na megasena, portanto, com mínimas chances de conseguir, mas, quem sabe um dia...
Meu Instagram: @costajuvenalcelio
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