top of page
719f1cbc-471d-46f8-a24c-0354d79cb63b.jpg

Um escritor fantasma vende crônicas para o fantasma de Clarice Lispector

Clarice Lispector é imortal, embora nunca tenha ocupado uma cadeira na Academia Brasileira de Letras. Algo que ela nem queria, pois achava a ABL um lugar de mau agouro.

 

Foto: Clarice Lispector - Escritora


Há  os que acreditam que a escritora virou um fantasma. Tem louco pra tudo nesse mundo! Mas, a maluquice não para por aí. Descobri que há casos piores.

 

Conheci um sujeito numa festa e  curti a fachada dele. Proseamos e ele me  convidou para um café, num shopping. Bem, eu não tinha nada programado para o dia seguinte, então, fui.

 

O pretendente arriscou-se, logo no início da conversa.

 

_ Sou um pensador!

 

Eita! Ah tá, um pensador. Um filósofo espontâneo. Calma Ivana, você tá  muito chata, dá uma chance.

 

_Sou também um escritor!

 

Beleza, convivo com vários. Vamos lá!

 

_ Qual tipo de texto você  escreve?

 

_ Agora estou escrevendo crônicas.

 

_ Gostaria de ler. Onde você  publica?

 

_ Eu não publico com meu nome.  Eu vendo as crônicas e elas são publicadas com o nome de quem compra. Atualmente, eu estou vendendo crônicas para uma escritora brasileira bem famosa. Ela publica nos grandes jornais. Mas, já vendi romances inteiros para vários escritores internacionais importantes.

 

Vixi! Um mercador de textos.  Um ghostwriter, escritor fantasma. Será que ele negociava com Stephen King ou Colleen Hoover?

 

Calma Ivana, esse mercado existe no mundo todo. Lembrei imediatamente  do “Budapeste” (2003) do Chico Buarque, sobre um escritor fantasma que mistura o desejo de ser reconhecido pela sua verdadeira identidade com o prazer de ver suas obras assinadas por outros escritores. Tô achando que Chico conhecia o meu pretendente, hem!

Calma Ivana, repita várias vezes: nada mais me assombra, nada mais me assombra, nada mais…

 

_ Olha, que legal! E quem é essa felizarda?

 

_ A Clarice.

 

Toin oin oin!

 

_ Clarice? Qual Clarice?

 

_ Uai, a única escritora Clarice famosa que existe, a Lispector. Aquela que escreveu A hora da estrela. Não conhece? Se você  lê grandes jornais, com certeza já leu alguma crônica escrita por mim e assinada por ela. Clarice está passando por uma tremenda e longa crise de criatividade e tem comprado vários textos meus.

 

Longa mesmo, desde que morreu, em 1977. Uma gargalhada coça minha garganta.

 

_ Nossa, que privilégio ter textos seus assinados pela grande Clarice. E qual foi a última vez que vendeu um texto pra ela?

 

_ No final do ano passado. Inclusive, fiz questão de ir até o apartamento dela, tomar um café, em São Paulo. Quando minha esposa era viva, ela ia comigo. Tornaram-se grandes amigas.

 

O canto da minha boca não conseguia se controlar. O fantasma de Clarice Lispector comprava crônicas de um escritor fantasma.

 

_ Você me dá  licença  para ir ao banheiro? Já volto.

 

Peguei minha bolsa, fui ao banheiro, bloqueei o delirante. Se minha amiga e escritora Thays Pretti, apaixonada por Clarice, acreditasse nessa lorota, com certeza faria de tudo para que o espectro da escritora se instalasse na sua casa e a assombrasse todas as noites. Já pensou amiga, ter uma interlocutora como a grande Lispector nos momentos em que você tá ralando o bucho para juntar letrinhas?

 

Saí do banheiro e fui calmamente para casa. Sou calma, sou calma, sou… Deixei a minha parte da conta, um cafezinho, pra ele dividir com Clarice.

 

 

sinveste.png
397989240_770491408422891_2129723969757898456_n.jpg
moeda-dinheiro.png

* As matérias e artigos aqui postados não refletem necessariamente a opinião deste veículo de notícias. Sendo de responsabilidade exclusiva de seus autores. 

bottom of page