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Um país de filhos de mães

Foto do escritor: Ivana VeraldoIvana Veraldo

Hoje, no dia das mães, escrevo sobre um tema que afeta o modo como a maternidade vem sendo exercida: a deserção paterna.

 

Mano Brown na música com o sugestivo título "Negro drama" (Racionais MC's) narra a história de uma negra que carrega uma criança nos braços, solitária na floresta de concreto e aço. Uma família brasileira de dois, "dois contra o mundo"; uma mãe solteira de "mais um filho pardo sem pai". História comum no Brasil.

 


Todos nós, provavelmente, já conhecemos alguém que não sabe quem é seu pai ou não tem o nome dele em seu registro de nascimento. Sobram dados sobre essa população e, inclusive, o IBGE possui uma categoria no senso que é "Mulher, sem cônjuge e com filhos". Curiosamente, não há a categoria "Homem, sem cônjuge e com filhos".

 

Esse fenômeno é um problema social grave que afeta muitas mães e filhos, a maioria negros e pobres. Um pai que não assume seu filho nunca é um caso isolado. Há um contexto que favorece a naturalização da deserção paterna e, ao mesmo tempo, estimula a crítica mais voraz ao abandono materno.

 

Com certeza a deserção paterna tem se agravado em decorrência da crise econômica. Mas, essa circunstância sozinha não explica totalmente a expansão do fenômeno. Nota-se que o conservadorismo social, o patriarcalismo, o sexismo e o racismo estão na raiz desse problema. Prevalece a cultura de que o sexo masculino é superior  ao feminino. Obviamente, essa hierarquização de gênero sobrecarrega muito mais a mulher, obrigando-a a cuidar das tarefas domésticas e dos filhos e ainda trabalhar fora de casa. Ao mesmo tempo, essa estrutura protege os homens, relativizando o abandono e a sua falta de responsabilidade na divisão das tarefas domésticas e dos cuidados com as crianças e idosos da família.

 

A consequência dessa cultura é que a paternidade é uma opção enquanto a maternidade é compulsória.

 

É essa situação que possibilita que tantos homens fujam da responsabilidade de, por exemplo, registrar um filho. Ou seja, a dominação masculina e a desigualdade de gênero condenam as mulheres à maternidade. Enquanto isso, os pais escapam da paternidade indesejada.

 

Obviamente, existe a possibilidade de uma mulher optar pela produção independente. Nesses casos, a figura paterna é excluída dos laços da parentalidade por escolha. Normalmente, essas mulheres possuem recursos financeiros suficientes para manter de forma satisfatória um lar monoparental. Além disso, mulheres com mais recursos conseguem pagar por abortos em hospitais, realizados clandestinamente, sob a máscara de aborto espontâneo.

 

Mas, essas não são alternativas para as mulheres pobres que se tornam mães solo involuntárias. Há grande correlação entre a taxa de nascimentos ocorridos fora do casamento e os indicadores de pobreza. Ou seja, há mais mães solo pobres do que ricas. Essas mulheres, que repentinamente se vêem mães sozinhas, muitas vezes são obrigadas a alterar totalmente  seus projetos de vida, suas trajetórias escolares e seus projetos profissionais. Abandonam a escola, são demitidas ou não conseguem solidificar uma carreira profissional.

 

Legalmente, todas as crianças têm o direito de terem os nomes das mães e dos pais em seus registros de nascimento. Apesar de existir esse direito e algumas formas de efetivá-lo, tem prevalecido a deserção paterna entre os vulneráveis. Dá-se uma grande importância ao exame de DNA e desconfia-se, previamente, da mãe que indica o pai da criança. De qualquer modo, é fundamental que ocorram intervenções do Estado, (campanhas de orientação, por exemplo), para  universalizar efetivamente os direitos das crianças, como o de ter o nome do pai no registro de nascimento.

 

Uma das situações que colabora para o aumento da deserção paterna é o mito do amor materno. Esse mito dita que esse tipo de amor, o materno, já nasceria com a mulher. Como se a maternidade fosse apenas um fato biológico e não social. Na verdade, embora a mulher possa obviamente tornar-se mãe, ela não nasce somente para procriar. Mesmo assim, esse mito foi passado de geração para geração, até os dias atuais e isso contribui para a naturalização da deserção paterna.

 

Na sociedade patriarcal, essa que ainda predomina até hoje, é comum que os homens  sejam criados para que tenham personalidade agressiva, virilidade e força. Enquanto as mulheres são educadas para serem meigas e cuidadoras. De tal forma que, quando os homens exercem a paternidade e cuidam de um filho, eles acabam entrando em conflito com o tipo de masculinidade que lhes foi ensinada socialmente.

 

Uma consequência, desse mesmo contexto , é a propagação da ideia de que o pai apenas “ajuda” a mãe nos cuidados com os filhos e nas tarefas domésticas em geral. Como se essas responsabilidades fossem exclusivamente das mães.

 

Penso que para desconstruir a cultura da deserção paterna é fundamental, então, não idealizar a maternidade, incentivar a paternidade responsável e participativa, não naturalizar o comportamento do abandono paterno e assegurar os direitos das mulheres. Além disso, é fundamental o amparo do Estado para que as mães solo possam contar com estrutura para cuidar dos seus filhos e para garantir que tenham o nome da mãe e do pai nos seus registros de nascimento.

 

Assim, nosso país não seria predominantemente um país de filhos de mães.

 

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