Em 1980, iniciei o curso de graduação na Universidade Estadual de Maringá (UEM), no período noturno. Eu trabalhava numa loja no centro da cidade, próxima à Prefeitura, e morava no Conjunto Habitacional Borba Gato. Saía do trabalho por volta das 18:30h e ia a pé para a UEM.

Na época, só era possível ir do centro aos bairros da zona norte pelas avenidas São Paulo ou Paraná. Entre essas duas avenidas havia um espaço imenso no qual ficava o pátio de manobras da antiga Ferroviária, atrás do prédio da velha rodoviária. E, próximo dali ficavam grandes armazéns de apoio à estação, instalados às margens da Avenida Tamandaré ou da Prudente de Morais. O Mercadão ocupa exatamente o prédio de um desses antigos armazéns.
Para quem não conheceu a Maringá daqueles tempos, estou me referindo ao espaço no qual depois foi rebaixada a linha do trem e onde foram construídas duas grandes avenidas, a Horácio e a João Paulino; região que vem sendo chamada de “novo centro”.
O pátio de manobras causou, por um longo período de tempo, muitos problemas de mobilidade urbana. Os alunos da UEM que trabalhavam no centro ou chegavam nos ônibus na rodoviária (interbairros ou intercidades) não tinham tempo para dar a volta a pé. Isso os levava a correr riscos pulando os engates que uniam os vagões dos trens estacionados no pátio de manobras. E, como no pátio havia inúmeros trilhos, muitas vezes as pessoas ficavam presas num corredor de trens que, inesperadamente, se locomoviam. "Pular o trem" era uma necessidade.
A sujeira que grudava nas nossas mãos e roupas, óleo misturado com poeira, era o menor problema. Depois de enfrentar os trens, ainda havia outro desafio: passar por uma trilha no meio de um alto matagal. O mato tomava conta do local onde hoje é o espaço aberto entre o Mercadão e o Fratello. Ali ficava a perigosa trilha. Na ida, ainda havia um resto de luz do dia. Na volta, breu total e a pressa para não perder o último ônibus para casa.
Quando eu não conseguia companhia, tinha que fazer esse trajeto sozinha, com o coração batendo forte e torcendo para não encontrar algum assaltante ou estuprador. Era muito frequente esse tipo de ocorrência naquele caminho. Eu mesmo tive que correr muitas vezes de ameaças. Escapei fisicamente, mas confesso que ser obrigada a fazer aquele caminho “deitou trauma” em mim e em boa parte das minhas amigas de faculdade. Aqueles trens e aquele matagal nos engravidaram de pavor.
Viver é perigoso! Escreveu Guimarães Rosa. E, sendo mulher, mais arriscado ainda. De certa forma, contar essa história é uma forma de expurgar os medos que nasceram e cresceram naquela travessia.
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