Por Walber Guimarães Junior, engenheiro e diretor da CIA FM.
Neste texto, peço a tua companhia para passear por razões históricas que expliquem o atraso brasileiro, concentrado no período pós império e até 2019, guiados pela tese de doutorado da Natalia Doré, engenheira, pesquisadora e professora da Universidade do Porto, embora paranaense de Maringá.
A história do Brasil mostra um período marcadamente oligárquico no início da República (1899 a 1930), com total domínio político das elites econômicas pela coalizão das forças paulistas e mineira, a política do café com leite, que governava o país com prioridade absoluta para os interesses dos grandes proprietários de terra que impunham suas prioridades com facilidade.

Como mencionado no primeiro texto, o excesso de terras e mão de obra barata, não exercia pressão por investimentos, em um país ainda majoritariamente rural, analfabeto e extremamente injusto socialmente. Um verdadeiro paraíso terrestre para as elites.
Renda extremamente concentrada no topo, índices precários de escolaridade, nada significativo que gerasse valor agregado à produção agrícola, sem classe média que estimulasse o consumo e ainda pagando a conta da falta de arranque do século XIX. Éramos apenas um país agrário subdesenvolvido e sem nenhuma preocupação com o capital humano, desenvolvimento cultural da população que, à frente, se mostraria um forte fator inibidor do crescimento.
Sinais de melhora só apareceram quando o agro cobrou investimentos porque nossos produtos sofriam concorrência de produtores internacionais mais resolvidos em termos de logística com preços competitivos. A cana e o café não eram mais exclusividade brasileira e isto exigiu uma revisão de nossos parâmetros, como sempre ditados pelos interesses do poder econômico.
Na política, iniciamos um período desenvolvimentista, desde 1930 até 1980, com profunda transformação dos parâmetros nacionais, intenso êxodo rural e, portanto, urbanização e posterior favelização de grandes áreas nas nossas cidades, expansão das fronteiras agrícolas e, principalmente, início de um bom processo de industrialização, marcada pelo inicio da siderurgia e da indústria automobilística.
Neste período, muitas nações do mundo cresceram, mas o Brasil cresceu bem mais em termos comparativos, talvez porque, como nos ensina a Natália, é o crescimento de empregos industrias o principal indicador e estimulador de desenvolvimento (seis vezes mais relevantes que o capital humano com demonstrado na tese da nossa pesquisadora). Atingimos uma média de renda per capita razoável, mas ainda longe da média mundial dos países desenvolvidos, em especial dos americanos.
Isto de explica por que nossas indústrias não tinham competitividade internacional, pouco valor agregado e um mercado consumidor interno muito limitado, simplesmente porque a população não tinha poder aquisitivo, não havia inovação, capital humano sem relevância, infraestrutura limitada e um custo Brasil proibitivo, pelos impostos e logística que penalizava a possibilidade de exportações. Como na colônia, ainda mandávamos commodities e recebíamos penduricalhos manufaturados, contribuindo para a evasão de renda e geração de empregos em outras pátrias.
Como se desenvolver se ainda era ridículo comparar o número de horas ou anos de estudo de escola de brasileiros e americanos e, até 1980, apenas 0,1% da população frequentava universidades no Brasil?
Mesmo Portugal, após 1960 começa a reduzir a diferença com a média europeia, com incremento da população universitária que permitiu um salto, enquanto no Brasil o tempo médio nas escolas era de 8 anos, contra 12 de Cuba e 14 dos países desenvolvidos. Até 1980, até a Venezuela tinha menos analfabetos que o Brasil, o que nem era difícil.
Melhoramos muito nas quatro décadas seguintes, até 2020, mas ainda bem abaixo das médias mundiais dos países de topo, ainda que o nível de investimento em educação esteja equilibrado, ainda assim, o mundo desenvolvido tem apenas 1% de analfabetos e o Brasil ainda sustenta 7%, sem incluir na lista os milhões de analfabetos funcionais. Algo como se no Brasil, o Sul agrário tenha vencido nossa fictícia guerra da secessão, perpetuando o desprezo pelo desenvolvimento humano e a industrialização.
Os números levantados pela Natália acentuam uma relação direta entre empregos industriais e desenvolvimento muito mais latente que as implicações do crescimento do capital humano, mas não se pode desconhecer que inovação, redução da desigualdade, crescimento do mercado consumidor e pesquisa são fatores primordiais para gerar um campo fértil para o crescimento econômico, bastando olhar para a influência das universidades americanas do norte no desenvolvimento dos EUA nos dois séculos anteriores.
As pesquisas mostram que um ano a mais de escolaridade implica em ganho de 0,5% do PIB nacional, enquanto aumento da participação de emprego industrial propicia mais 3% no PIB, embora seja importante frisar que 80% dos países se mantem com números parecidos desde 1900 até 2019 e, mais importante ainda, onde se registrou alterações significativas, basta checar para verificar que isto ter a ver com investimento em educação e pesquisa.
A conclusão da Natália, que segue dedicada em novas pesquisas, prova, com números confiáveis, que a mudança estrutural é o grande motor do desenvolvimento, implicando em até seis vezes mais impacto que o capital humano, ainda que, o segundo fator seja relevante para permitir o crescimento do primeiro.
É justo registrar que, ainda que o período de desindustrialização brasileiro, anos 90 e 2000, quebrou a sequência e represou nosso crescimento, seguimos melhorando socialmente, reduzindo desigualdades e crescendo em capital humano, todavia seguimos sendo apenas eminentemente agrários e exportadores de comodities, fatores incapazes de reduzir o atraso acumulado nos últimos duzentos anos.
Resta acreditar que a sociedade pode impor uma nova pauta, exigindo que o investimento preciso ajude na redução do custo Brasil, do custo da logística, conferindo competitividade da indústria nacional e permitindo a imposição de uma matriz de empregos mais equilibrada.
Quem sabe esta não seja a receita para que as próximas natálias visitem o Porto apenas para turismo, degustar o incomparável vinho local e possam desenvolver pesquisas em território nacional, sepultando a ridícula sinalização recente de que dinheiro investido em pesquisa na área de humanas e apenas queimar dinheiro, assim como devemos agradecer diariamente ao sucesso do nosso agro, mas ter a consciência que sem agregar valor e evoluir para uma matriz industrial competitiva, estaremos eternamente condenados ao terceiro mundo.
“Aumentar a lente sobre o passado, para entender o futuro” foi a lição que a Natália Doré aprendeu e nos repassou que pode indicar um promissor caminho que nos leve ao desenvolvimento e nos liberte das amarras coloniais, como ainda se enxergam no Brasil do século XXI.
Para os que quiserem ouvir o material na íntegra; https://youtu.be/CPyvdNW93Hw?si=LIiKn8Fz6tpIrDog
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