Por Walber Guimarães Junior, engenheiro e diretor da CIA FM.
Em algum momento do século passado, o psicólogo americano Abraham Maslow propôs a famosa hierarquia de necessidades, por muitos traduzida por pirâmide das necessidades, baseado na ideia de que todo ser humano se esforça para atender suas necessidades pessoais e profissionais. A teoria informa que o indivíduo tem que definir uma hierarquia de necessidades, priorizando as que forem mais importantes a cada momento.
Esticando um pouquinho o assunto, as citadas necessidades são as fisiológicas, de segurança, social, estima e autorrealização, cinco alternativas que serão hierarquizadas segundo as definições individuais.
Imagino que talvez seja possível aplicar Maslow no sentido coletivo, porque as cidades também têm necessidades de diversas ordens e, seria admissível estabelecer uma ordem de prioridades dentre estas demandas. O ideal é que a comunidade tivesse algum caminho que lhe permitisse definir a ordem de suas necessidades.
Neste momento, é preciso discutir uma certa imprecisão do conceito; embora as cidades sejam o coletivo de seus habitantes, ela tem sempre “um chefe”, o prefeito, que, como regra não escrita, é quem define onde serão aplicados os recursos e quais demandas serão atendidas em primeiro plano. Após a aprovação pelo crivo das urnas, nossa cultura política estabelece que, por todo o mandato, o prefeito age como patrão e toma todas as decisões que afetam o conjunto dos cidadãos. É certo isto?
Se recuarmos o olhar, talvez para as arenas gregas, mais de quinhentos anos antes de Cristo, o grego Clístenes, por isso considerado o pai da democracia, estabeleceu que cada cidadão presente nas assembleias periódicas, para discutir questões locais, tinham direito à voto exercendo democracia direta, sem intermediários. Algumas comunas suíças mantiveram este sistema por muitos séculos, acredito que sejam as menos longevas experiências de exercer democracia sem representação. Mas o mundo cresceu e não se contam mais habitantes em centenas, mas em milhares ou milhão, logo a impossibilidade de ouvir a todos exigiu a geração de soluções satisfatórias, surgindo a democracia representativa, progressivamente evoluindo até os modelos atuais, adaptados a cada realidade nacional.
Todavia, embora o modelo ateniense seja sempre mais adequado, o autoritarismo e a concentração de poder sempre estiveram no topo das prioridades de todo governante, resultando em concentração de poder em quase todas as sociedades ao longo dos séculos. Os tempos modernos, com evolução do nível de formação e informação dos cidadãos, se observa uma inflexão neste padrão, exigindo que se promova ajustes na prática política, algo que se acentuou com os instrumentos da era digital.
A questão é por que não aplicar estas facilitações no nosso processo eleitoral? Recuando aos conceitos originais, não seria o conjunto dos cidadãos que precisam estabelecer suas prioridades? O executivo não seria apenas o caminho para definir responsabilidade e controle sobre o atendimento das demandas sociais?
Na prática, estabelecida na quase totalidade dos municípios, prefeitos decidem tudo, com a conivência de câmaras de vereadores dóceis e distantes de sua real função. O processo eleitoral até tornou obrigatória a apresentação de planos de governo, que deveriam ser a expressão do desejo coletivo, mas são a formalização da vontade de um ou dois cidadãos que preparam uma peça de ficção, focada no cumprimento das exigências legais e na montagem de estratégias de marketing, para convencimento dos eleitores.
Na largada de mais um processo eleitoral, talvez seja interessante entender o município como uma unidade, algo como a expressão da vontade majoritária de seus habitantes (acho até que você conhece esta definição), e estabelecer uma rotina que permita entender quais as necessidades da unidade “município” são mais urgentes ou importantes. Melhor ainda saber que existem formas modernas de definir estas prioridades sem precisar reunir todos em praça pública, como a dois mil e quinhentos anos, e nem mesmo autorizar um único cidadão a tomar todas as decisões, ainda que ele disponha da confiança de mais da metade dos cidadãos.
Com pragmatismo, cada fatia da sociedade civil organizada, além das organizações setoriais e geográficas, como associações de bairro, deve assumir o compromisso de definir e comunicar suas necessidades, exigindo comprometimento dos futuros gerentes municipais com a ordem destas necessidades (sim, o prefeito deve ser entendido apenas como o gerente desta missão).
Retornando à Maslow, embora quatro das necessidades sejam extrínsecas (externas), uma delas, a autorrealização parece acometer uma parcela maior dos prefeitos, sempre focados em atender suas necessidades nesta área, colocando suas prioridades acima da coletividade.
Abraham Maslow não vota em nenhuma de nossas cidades, mas se tivesse título por aqui, certamente entregaria seu voto aos candidatos vocacionados ao diálogo, em especial aqueles que falam menos e ouvem mais.
O cara era fera demais, acho razoável avaliar suas diretrizes.
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