Por: Ana Floripes - Professora

Momento especial da formatura do ano letivo 2021 do Colégio Estadual Igléa Grollmann - EFM, de Cianorte - PR.
No link https://www.bisbinoticias.com.br/post/as-li%C3%A7%C3%B5es-sempre-ficam-autismo-s%C3%B3-ensinamos-quando-estamos-dispostos-a-aprender pode ser encontrado o relato "As lições sempre ficam (Autismo): só ensinamos quando estamos dispostos a aprender". Nele encontra-se um pouco de nossa experiência educacional com a inesquecível ex-estudante Lorena Gabrielle dos Santos Xavier.
Houve muitos questionamentos e um deles: Por que a estratégia de usar traje parecido ao da personagem Elsa na formatura do Ensino Médio?
Nós sabíamos dos desafios da noite de sua formatura para Lorena, com diagnóstico tardio de Transtorno do Espectro Autista (TEA), entre eles: o local desconhecido, repleto de estímulos: pessoas diferentes de seu convívio social; sons diferentes ao mesmo tempo, muitos aplausos, gritos, assovios, trilha sonora, discursos, flashes fotográficos, etc; a própria emoção do momento e o alto nível de ansiedade. Teríamos que driblar tudo isso ao mesmo tempo para que ela tivesse o prazer de usufruir daquele momento que lhe pertencia, mas sem sofrimento. A sobrecarga sensorial seria o obstáculo!
Passei semanas pensando nisso. Daí me reportei ao ano letivo de 2016 quando planejamos a atividade com a finalidade de comemorarmos a data de seu nascimento para lhe ajudar a enfrentar seu medo de fazer aniversário. Havia um bloqueio, mas naquele período não sabíamos sobre o real motivo. No momento em que se vestiu parecida à Elsa, da personagem Frozen, a sensação é que o autismo não teve poder sobre ela, pois andou pela escola, entrou em todas as salas, abraçou muitas pessoas e irradiava alegria. A partir daquela data, começou a comemorar seu aniversário e verbalizou sobre seu medo, que seria de perder sua mãe para a morte. Lorena, queria, se pudesse, parar o tempo, porque o movimento dele lhe causava sofrimento.
Então organizamos a cerimônia de colação de grau, pensando também no período em que a Lorena pudesse permanecer no ambiente carregado de estímulos sensoriais, pois seria humanamente impossível mudar a cultura fora da escola quanto à adaptação que beneficiasse exclusivamente a mesma. Durante quinze dias a preparei e descrevi cada momento do cerimonial, dando a ela poder de escolhas. Combinamos que seria a primeira a receber o certificado e depois tudo que viesse seria conquista dela quanto sua autorregulação, mas não queríamos que sofresse e sim que se sentisse feliz por se tratar de um momento especial.
Várias vezes vieram ao meu pensamento imagens do ano letivo em que se vestiu parecida à personagem Elsa e também o quanto se sentia segura ao abraçar o seu livro da Frozen. Em todos os lugares que ia na escola estava abraçada a ele. Demorou algum tempo para entendermos que Lorena tinha medo de enfrentar os desafios da mudança da infância para adolescência. Foi necessário muito apoio emocional na transição das fases de desenvolvimento.
Em sua casa o livro ficava guardado. O seu quarto é um porto seguro. Eu sempre soube que Lorena confia em mim. Sendo assim, se estivesse também parecida à personagem que a ajudou a se libertar de vários tipos de medo, seria importante e a ajudaria a enfrentar o maior desafio de todos os tempos de sua vida.
Ao chegar na calçada do anfiteatro ela me viu e como de costume, correu e me abraçou pela cintura, falei: “A Frozen veio participar desse seu momento especial.” Em sua fisionomia pôde ser observado que aprovou a ideia. Entreguei a beca para sua mãe e rapidamente estava preparada para entrar no local que receberia todos os formandos.
Entramos de mãos dadas e combinamos que ficaria em pé no canto próximo a uma porta e olhando para ela, assim que a ansiedade aumentasse deveria ir até mim e conversaríamos, caso não aguentasse, sairíamos. Assim fizemos, ela levantava e me abraçava, mas não queria sair. Voltava! Eu antecipava as apresentações e o tempo de duração. Quando percebia que tentava beliscar os lábios, (sinal que demonstra o nível de stress), fazia a mediação e solicitava que fizesse tranças em seu cabelo, estratégia utilizada na escola quando a ansiedade aumentava devido alguma mudança brusca de rotina. Muitas vezes se movimentou em sua cadeira. Olhava para a personagem “Elsa” e continuava lá. Foi assim que se passaram 2h30 e participou com alegria de todo o evento.
Houve um momento em que fiquei ansiosa porque em uma das atividades, os estudantes deveriam sentar-se no palco, as luzes se apagariam e assistiriam ao vídeo. Como Lorena estava sentada à frente, foi uma das primeiras a se sentar, ficou ao fundo e houve aglomeração. Confesso que fiquei com medo de naquela hora acontecer alguma crise emocional. Mesmo naquela penumbra consegui fixar os olhos nela. Após, sentiu cãibras nos pés. Sentou-se em sua cadeira e fiz massagens. Em nenhum momento pediu para sair do palco. Ao final da formatura saiu correndo até seus pais que estavam ao fundo do anfiteatro, com semblante tranquilo, demonstrava alívio e satisfação de ter conseguido vencer os obstáculos derivados do autismo. Nós, da área da educação, nos sentimos com o dever cumprido.
Não sei mensurar sobre a importância da personagem na vida de Lorena, todavia foi perceptível que em dois momentos distintos que a mesma lhe proporcionou leveza e ao mesmo tempo sentiu-se muito feliz por fazer parte de atividades coletivas, ou seja, de pertencer a um grupo social. A Educação Inclusiva tem esse poder!
02 de abril - Dia Mundial de Conscientização do Autismo.
Ana Floripes Berbert Gentilin
Professora de Apoio Educacional Especializado (PAEE)

Imagem: Aida Franco de Lima
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