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JUSTIÇA À BALA OU À LUPA: O Brasil Entre a Paz e a Vingança

Por Nelson Guerra


Vivemos tempos em que o medo é explorado como ativo político e a violência é promovida como solução mágica. A recente megaoperação policial nos Complexos da Penha e do Alemão, no Rio de Janeiro, às vésperas do Dia de Finados, que resultou em mais de 120 mortos — tornando-se destaque internacional — escancara essa lógica perversa e se tornou o maior massacre da história carioca.


A promessa de segurança baseada em execuções sumárias não é justiça. É barbárie. E, para os estudiosos da Segurança Pública, a barbárie nunca foi — nem será — caminho para a paz. O discurso recorrente do “bandido bom é bandido morto” promove uma lógica de vingança: cria heróis policiais vingadores, reduz a complexidade da questão à polarização entre “certo” e “errado”, ignora causas estruturais e lança uma sombra sobre os direitos humanos, como se estes fossem privilégio de “bandidos”. Governar pelo medo não fortalece a democracia — a fragiliza.


A Política do Medo e o Lucro com o Caos


Parte das autoridades brasileiras, apoiada por setores do capital que lucram com a desinformação, aposta na política do medo. Alimenta o descrédito nas instituições, promove a ideia de que apenas a força bruta resolve e transforma policiais em heróis vingadores. Essa narrativa, embora sedutora, ignora que segurança pública exige capturar os verdadeiros mentores do tráfico — que vivem fora das favelas — o que demanda inteligência, estratégia e respeito à vida humana.


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Outra parte das autoridades nacionais não está inerte, como alguns propagam. Está consciente e determinada a enfrentar o crime organizado pela raiz — não com balas, mas com inteligência. O tráfico e a milícia não sobrevivem apenas da violência: alimentam-se de dinheiro, corrupção e proteção política. É aí que o governo atual afirma que precisa atuar: desarticulando financiadores, cortando o fluxo financeiro e fortalecendo as instituições.


Com Justiça e sem Tiros: Um Caminho Mais Difícil


Embora seja um caminho mais difícil e moroso, num mundo tão imediatista, cabe aos representantes da nação — em nível federal e local — resistirem ao populismo punitivista e ao oportunismo eleitoral. Deve investir continuamente em educação, saúde, oportunidades e políticas públicas sérias. Porque sabem (ou deveriam saber) que a violência nasce da exclusão. A democracia não se defende com fuzis, mas com justiça e coragem para enfrentar os poderosos que lucram com o medo.

O governo Lula, mesmo com falhas na comunicação, não pode se esconder ou parecer omisso. Deve atuar nas ruas, nos gabinetes, nas comunidades. Construir soluções reais, ainda que menos visíveis. Em tempos de insegurança, é mais fácil vender vingança como solução imediata. Mas transformação verdadeira exige paciência, técnica e compromisso com a vida. É por esse caminho que deve agir um governo central sério.


Exemplo de Inteligência Policial


Uma operação recente integrada entre Receita Federal e forças de segurança resultou na apreensão de mais de mil armas nas regiões de fronteira do Brasil — tudo isso sem o disparo de um único tiro, mostrando que é possível combater o crime organizado com inteligência e cooperação entre os entes federativos.


Além de centenas de armas, foram apreendidas 3,5 toneladas de drogas e 213 mil litros de bebidas adulteradas. Vinte e sete pessoas foram presas em flagrante, sem confrontos armados ou violência direta, desarticulando rotas de tráfico e contrabando. Um saldo incrivelmente superior ao obtido na recente megaoperação nos Complexos da Penha e do Alemão. Ainda assim, a operação carioca ganhou mais holofotes — pelas perturbadoras razões que já enumeramos.


A Luta Invisível e a Construção Real


A megaoperação no Rio de Janeiro, que deixou um rastro de morte e indignação, não pode ser normalizada. A população brasileira merece mais do que cadáveres em manchetes. Merece paz com dignidade. Merece um país onde a vida vale mais do que o lucro.


A favela da Rocinha abriga mais de 70 mil moradores — uma população superior à de 90% das cidades brasileiras. Esse dado revela a complexidade social e urbana dos territórios periféricos. Nas favelas, para cada liderança criminosa eliminada, outra rapidamente ocupa seu lugar. O ciclo de confrontos se transforma em uma carnificina sem fim, que ceifa vidas de moradores e policiais, sem resolver o problema estrutural. É disso que a população precisa se conscientizar.


Soluções incômodas


É preciso encarar uma verdade complicada: os verdadeiros chefes do crime organizado não vivem nas favelas. Estão em condomínios de luxo, protegidos por blindagens jurídicas, políticas e financeiras. São empresários, políticos e agentes corruptos que lucram com o tráfico, a milícia e a violência. Se quisermos enfrentar de fato o crime organizado e reduzir o número de mortes de favelados e de policiais, é essencial neutralizar esses mandantes invisíveis — os capitalistas do crime.

A onze meses das eleições nacionais, é preciso resistir à tentação do “aplauso fácil”. O espetáculo midiático da polícia glorificada à margem do Estado de Direito pode render manchetes, fotos e “likes”, mas só aprofunda a ferida social em longo prazo. O verdadeiro herói da segurança pública é aquele que atua dentro da lei, que investiga, que previne, que reabilita, que mobiliza a sociedade.


Para isso, o governo precisa de muita ajuda.


A população de bem, os profissionais sérios, os jovens conscientes, os líderes comunitários e os cidadãos comprometidos com o futuro devem ajudar a construir um Brasil onde a segurança pública seja feita com justiça — e não com vingança. Devem sair às ruas e cobrar das autoridades não apenas policialização, mas estratégia. Exijam dados, transparência, investigações, responsabilização. Exijam que a segurança pública seja para todos — negros, brancos, ricos, pobres — e que não seja o palco onde a vingança se mascara de solução. Que sejamos protagonistas da construção de um país onde a vida vale mais do que o lucro, onde o medo não governa e onde a paz é fruto de justiça.

 

(Nelson Guerra é comunicador e consultor em Gestão Pública; escreve esta matéria com ciência de que deveria trocar o sobrenome)

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