Por Walber Guimarães Junior, engenheiro e diretor da CIA FM.
Registro inicialmente que a reflexão se segue decorre de excelente live, a qual tive acesso, entre o economista brasileiro Paulo Goia e a engenheira, economista e professora Dra. Natália Doré, professora da Universidade do Porto, maringaense e filha dos queridos amigos Cida e Maurício.
Natália, se valendo de sua formação racional como engenheira, buscou dados para entender o período histórico entre 1822 e 2019 que promoveram o atraso brasileiro, em especial se tomadas as referências europeias, de Portugal, e americana dos EUA, avaliando o perfil de desenvolvimento industrial e do capital humano em cada país, me permitindo fazer um pequeno corte na notável pesquisa realizada.
Para facilitar, a pesquisadora divide a história recente brasileira nos seguintes períodos; Império (1822 a 1889), Republica Oligárquica (1899 a 1930); desenvolvimentista (1930 a 1980), período da crise e desindustrialização (anos 80, 90 e até o início da década seguinte) e o período do neoliberalismo (até 2019), A ideia é, repetindo citação da live “aumentar a lente sobre o passado para entender melhor o futuro”, se valendo dos escassos números disponíveis da economia brasileira nos primeiros cem anos citados.
Permito-me um passeio histórico, alternando lições da Natália, inserções pessoais e se concentrando, inicialmente nas duas colônias.
Ambos os países foram descobertos quase na mesma época, 1492 (Colombo na América) e 1500 (Cabral no Brasil) e, sob bandeiras diferentes, inglesa e portuguesa, sofreram processos de colonização bastante diversos. Enquanto, o projeto português era apenas sugar tudo que fosse possível da colônia para, via impostos e pilhagem, bancar a pesada e ineficiente monarquia portuguesa, nos EUA a colonização foi de povoamento por colonos que vinham com a consciência de que esta seria a sua nova terra, visto que transferidos por razões que a tornavam definitiva, questões judiciais, religiosas e políticas.
Partindo de premissas diferentes, ao Brasil bastava alimentar a Corte Portuguesa e alguns fidalgos de segunda linha, o que resultou em nenhum interesse em desenvolver o território brasileiro. Estabeleceu-se, desde o início a prioridade absoluta para a elite, titulares das Capitânias hereditárias e seus apadrinhados, oportunamente sustentados por mão de obra indígena e negra, na extensa relação escravagista deste que foi o maior explorador de mão de obra escrava do planeta. Enquanto tivemos quase 4 milhões de negros traficados da África, nos EUA foram apenas 389 mil, ainda que profundamente segregados e sem a miscigenação generalizada entre as três raças que marca a história brasileira.
No modelo americano, ingleses seguiram preocupados com o povoamento da colônia e com a qualidade de vida de sua população. Ainda que o modelo inglês ainda não incorporasse o espírito holandês, de empreender e desenvolver os territórios conquistados, como forma de incrementar o comércio mundial, a transferência de recursos e impostos para a matriz era bem menos intensa que as exigências portuguesas, mostrando a vocação do território brasileiro para a incessante quebra de recordes de arrecadação de impostos.
Ainda assim, a diferença entre EUA e Brasil, já existente, era muito menor em 1822 do que no final do século, assim como Portugal também se encontrava próximo do topo da economia europeia no início daquele século. Todavia, desde então, a diferenças se aprofundaram em função das ações governamentais de ambas as nações.
No Brasil, com mão de obra abundante e terra sobrando, não havia nenhum interesse em melhorar tecnologia ou produtividade, bastando ampliar a área plantada para aumentar a colheita, raciocínio válido para o café no Sul ou para a cana no Nordeste. A elite econômica nunca cobrou investimentos, mas apenas privilégios. Havia também muita riqueza natural que gera receita, vira prioridade e não exige investimento em infraestrutura.
Nos EUA, independente desde 1776, em reação a falta de representatividade da colônia nas decisões inglesas, uma marcante diferença interna foi resolvida na guerra da secessão com a vitória do norte empreendedor, industrialista, defensor das liberdades individuais e contra a escravidão, contra o sul agrário, com modelo muito próximo do brasileiro e, desde então as diferenças se ampliaram, principalmente porque os americanos sempre se preocuparam com o desenvolvimento da população e com a criação de um bom mercado interno de consumo, gerado porque se permitiu que uma parcela muito maior da população tivesse poder aquisitivo e cultura, priorizando a geração de uma nação forte e não apenas preocupada em sustentar privilégios da elite, como no modelo brasileiro.
Em paralelo, no território europeu, Portugal foi ficando cada vez menor em relação aos líderes europeus porque não desenvolveu nada em manufaturas até 1860/70 e o volume de riquezas e impostos da colônia tornava cada fez mais impróprio o peso da estrutura de governo.
A Natália nos ensina que é a velocidade e a importância da industrialização que mais influência no crescimento das nações, sem desprezar a qualidade do capital humano disponível e estes dois fatores se acentuam na comparação entre as nações americanas e entre o Brasil em Portugal que, todavia, assume posturas mais agressivas já no final do século XIX.
Sem indústrias, sem mercado consumidor e sem investimento em capital humano, o Brasil passou a ver a poeira americana, cujo crescimento desgarrou e, já no final do século XIX superava em muito a incipiente economia brasileira.
Na virada daquele século, o Brasil só tinha 7% da população no ensino primário e 85% da população analfabeta, isto sem incluir nas contas a população escrava, enquanto americanos já tinham boas universidades, aliás também já existentes na vizinha e desenvolvida Argentina, naquela época.
O Brasil independente não abandonou as premissas coloniais; prioridade para as elites e exploração agressiva da população. Enquanto argentinos e americanos, inclusive de classe média alta, frequentavam universidades locais, nossa elite se deslocava para estudos em Coimbra.
Não podia dar certo.
Atrevo-me em te convidar para seguirmos nesta leitura na reflexão seguinte.
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