Por: Ana Floripes - Professora de Apoio Educacional Especializado
Professora Ana Floripes Berbert Gentilin - Especialização em Geografia e Meio Ambiente (FAFIJAN), Educação Especial Visão Integradora - Ensino Especial/Ensino Regular (UNIPAR), Pedagogia Escolar: Supervisão, Orientação e Administração (FACINTER), Transtorno do Espectro Autista (FAVENI). Graduada em Estudos Sociais e Geografia (ambas concluídas na FAFIPA/UNESPAR)
O presente texto tem como intuito apresentar a necessidade de se colocar em prática no município de Cianorte-PR e região um plano em conjunto com as áreas da educação, saúde e assistência social, com a finalidade de minorar sofrimentos ocasionados pelo Transtorno no Espectro Autista (TEA). Para tanto, é imprescindível compreender a importância das mediações pedagógicas, estudar a inclusão e a exclusão que podem ocorrer na escola e fora dela, bem como o preconceito e a inoperância do poder público como fatores impeditivos para o desenvolvimento de potencialidades do sujeito.
Portanto, o labuta se justifica perante o índice elevado de matrículas no ensino regular de estudantes com indicativos e no espectro autista, a falta de políticas públicas e/ou a omissão de execução das que existem e as consequências do impacto nos resultados acadêmico e social de turmas que frequentam estudantes com e sem TEA no ensino regular pela ausência de recursos de suporte pedagógico especializado.
É possível encontrar várias pesquisas realizadas no espaço escolar relacionadas ao atendimento escolar a estudantes com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), nelas observa-se a terceirização de problemas com foco no fracasso acadêmico, apenas para a área da educação.
Percebe-se, presente em grande parte nos discursos que circulam dentro de órgãos públicos, em reuniões, inclusive com o poder público, que o conhecimento sobre o TEA é ínfimo e também há pouco interesse em buscá-lo. Os resultados provenientes desses encontros são circunscritos. Sabe-se que a demanda de pessoas com TEA não estava incluída no último Censo. Foi necessária a Lei 13.861/2019[1], obrigar o IBGE a inserir no Censo 2020, perguntas sobre o autismo. A referida Lei altera a Lei nº 7.853[2], de 24 de outubro de 1989, para incluir as especificidades inerentes ao TEA nos censos demográficos. Essa decisão também levanta algumas ressalvas importantes sobre o teor dos questionamentos, pois a abordagem poderá contribuir para estigmatizar ainda mais pessoas com o transtorno citado. Tendo em vista que, os espectros são variados e os diagnósticos, muitas vezes, imprecisos, devido à complexidade do autismo. Dessa forma, o IBGE poderá ter dificuldades para mapear quem são os brasileiros que estão no espectro.
Diante do exposto, questiona-se: como promover a inclusão escolar de estudantes com TEA no contexto regular de ensino e como a escolarização incide sobre seus desenvolvimentos? Como os especialistas da área educacional promoverão a aprendizagem de estudantes com TEA sem a presença da equipe multidisciplinar qualificada da área da saúde? De que forma os gestores públicos resolverão os obstáculos encontrados em Cianorte-PR quanto ao atendimento de pessoas no espectro do autismo?
Diariamente observa-se as dificuldades encontradas pelos profissionais da educação, familiares e estudantes com indicativos e no espectro autista que frequentam o Colégio Estadual Igléa Grollmann – EFM, e compreende-se a importância das Políticas Públicas, no sentido de viabilizar ações que resultem na criação de um equipamento público de saúde, composto por equipe multidisciplinar, para que o atendimento especializado aos estudantes em evidência estejam em uma posição que favoreça a inclusão, efetivamente.
O termo autismo, que significa literalmente "retornar a si mesmo", originou-se da junção de duas palavras gregas, que são: autos (em si) e ismo (retornar a) e o termo autismo foi usado pela primeira vez na psiquiatria por Plouller em 1906, (apud GAUDERER,1997) que na época estudava os processos de pensamento de pacientes com esquizofrenia.
O autismo é considerado, atualmente, um transtorno do desenvolvimento de causas neurobiológicas definido de acordo com critérios eminentemente clínicos. As características básicas são anormalidades qualitativas e quantitativas que, embora muito abrangentes, afetam de forma mais evidente as áreas da interação social, da comunicação e do comportamento (SCHWARTZMAN, 2011, p. 37).
Este argumento possui a intenção de demonstrar que no município de Cianorte, Estado do Paraná, há a necessidade de se promover política pública para pessoas com TEA e seus familiares. No primeiro semestre de 2021, houve duas indicações relevantes da Câmara Municipal do Município de Cianorte – PR, a nº 144/2021 que propõe a implantação de um Centro que possibilite o atendimento qualificado por profissionais e nº 057/2021 a qual sugere a criação do programa de Censo Municipal de pessoas diagnosticadas com TEA. O censo preliminar foi realizado nas Instituições Escolares e levantou-se um total de 140 pessoas, sendo 107 com diagnóstico e 33 com indicações de TEA. Os questionários foram direcionados às instituições escolares. Houve uma Comissão de Estudos[3] que elaborou o questionário a fim de possibilitar o desenvolvimento de ações e destinação de políticas públicas voltadas ao público em questão.
Segundo o resultado parcial da pesquisa com abordagens inferentes ao TEA na cidade de Cianorte e região, quanto ao número total de 140 pessoas: 77% das crianças e/ou adolescentes[4] diagnosticados com o referido transtorno, onde 87,8% são estudantes (Comissão de Estudos, 2021). Quanto a possibilidade de um convênio médico para assistência familiar: 66,2% não possui nenhum plano-convênio e apenas 33,8% possui alguma modalidade conveniada (Comissão de Estudos, 2021). Quanto a oralidade, possibilidade de comunicação verbal, 44,6% conseguem desenvolver esta capacidade, sendo que um número expressivo de 20,9% não consegue desenvolver e outros 34,5% tem sua comunicação parcial (Comissão de Estudos, 2021).
No Colégio Estadual Igléa Grollmann – EFM, local em que atuo, há 1.300 matrículas, entre elas: quinze estudantes com diagnóstico de TEA e nove com indicações, inclusive um dos estudantes encontra-se desaparecido desde a data de 23/10/2021. Em contrapartida, a escola pode apresentar resultados pedagógicos positivos através do processo de mediação, pois foram realizados inúmeros trabalhos relevantes nessa última década. Todavia, há muitos desafios a serem enfrentados, entre eles: a fragilidade do atendimento e acompanhamento do trabalho em Rede que passa ao largo das proposições da Educação Inclusiva e, sobretudo, que não há discussões intersetoriais e complementaridade de ações que facultam aos estudantes na condição mencionada. Em muitos casos, sequer conseguem diagnóstico com protocolo seguro, por falta de equipe multidisciplinar. Em suma, há muitos estudantes que estão excluídos das práticas pedagógicas, por diversos motivos de ordem estrutural.
A presença de estudantes com o diagnóstico e indicativos do referido transtorno, no espaço escolar regular, não é recente, antes com diagnósticos dos efeitos do TEA: ansiedade, fobia social, DPAC, TDAH, TOD, etc, e têm aumentado significativamente, após a criação da Lei 12.764/12)[5] que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Ela determina o direito ao diagnóstico precoce, tratamento, terapias e medicamentos pelo Sistema único de Saúde; o acesso à educação e à proteção social: ao trabalho, etc.
Segundo o último censo escolar, em 2021[6], 294.394 estudantes com autismo estavam matriculados nas etapas da educação básica das redes públicas e privadas: infantil, fundamental e ensino médio. No ano de 2017 havia 77.102 matrículas. Houve uma alta de 280% se compararmos os períodos de 2017 a 2021. No Brasil, a estimativa é que haja mais de dois milhões de pessoas com TEA. No que concerne à lei nº 12.764/12, percebe-se que impactou apenas os direitos à educação, por meio do aumento de matrículas, mas não às estratégias referentes aos recursos de suporte pedagógico especializado.
Desse modo, constata-se que a limitação de acesso às políticas públicas tem sido uma das maiores barreiras para que cidadãos com indicativos e diagnóstico de TEA exerçam seus direitos e como, na maioria das vezes, frequentam apenas o espaço escolar, os profissionais da educação têm sido apontados como culpados pelo fracasso escolar. Logo, é possível verificar, por meio de resultados acadêmicos, que a escola, por melhor que seja, não substitui demais serviços públicos necessários aos atendimentos especializados. Nesse contexto, infelizmente, os profissionais da educação padecem ao acompanhar o sofrimento psíquico dos estudantes e de seus familiares e sentem-se impotentes para minimizá-lo.
No município de Cianorte-PR, entre os vários desafios referentes ao atendimento nas áreas da educação, saúde e assistência social, há o relacionado também à inserção de pessoas com TEA no mercado de trabalho. É fato que, em nível local, ainda há pouco incentivo nessa direção, contudo, recentemente constatou-se um esforço de alguns segmentos da sociedade para que assuntos sobre essas necessidades façam parte das pautas do poder público e de entidades privadas.
Ademais há o problema relacionado ao diagnóstico tardio. Embora as diretrizes internacionais recomendam o rastreamento na faixa etária de 18 e 24 meses de idade há mais de dez anos, o TEA é detectado muito mais tarde na maioria das crianças, o que impacta negativamente o tratamento e o prognóstico. O TEA trata-se de um distúrbio do neurodesenvolvimento, e o início dos sintomas ocorre nos primeiros anos da infância. Se não for tratado e acompanhado precocemente, o TEA pode prejudicar a funcionalidade do indivíduo.
Na maioria dos países, incluindo o Brasil, os primeiros profissionais que podem detectar potencialmente alguns déficits de desenvolvimento são aqueles que trabalham em unidades básicas de saúde (Bordini et al., 2015). Estima-se que 0,6% -1,5% da população mundial tem TEA (Elsabbagh et al., 2012). Dada esta prevalência crescente, é altamente provável que profissionais de atenção primária (especialmente pediatras) encontrem crianças com TEA, muitas das quais sem um diagnóstico prévio. Portanto, os profissionais de atenção primária devem estar bem informados sobre os sinais de alerta do risco de TEA, para que possam ajudar as crianças e suas famílias em suas necessidades. No entanto, os profissionais de atenção primária frequentemente relatam a falta de treinamento no reconhecimento de sintomas e tratamento médico de crianças com TEA (Bellando & Fussell, 2015).
Schwartzman e Araújo, 2011, sinalizam para a importância da atenção multidisciplinar:
Por suas características peculiares, necessitam de atenção multidisciplinar, uma vez que, para sua identificação, correta avaliação e propostas terapêuticas adequadas, deverão colaborar médicos de várias especialidades clínicas, geneticistas, psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas e vários outros (SCHWARTZMAN; ARAÚJO, 2011, p.18).
Há pais de crianças com TEA relatam que os profissionais da atenção primária geralmente se preocupam com a saúde física de seus filhos e raramente abordam questões de desenvolvimento (Biel, Anthony, Mlynarski, Godoy, & Beers, 2017). Estudo realizado no sistema público de saúde brasileiro mostrou que mães de crianças com TEA começaram a perceber distúrbios do desenvolvimento por volta dos 24 meses de idade, em média, enquanto seus filhos foram diagnosticados com TEA apenas três anos depois (Ribeiro, Paula, Bordini, Mari, & Caetano, 2017).
Por fim, espera-se que as esferas federal, estadual e municipal façam a lição de casa, com relação ao projeto de lei federal em tramitação nº 3630/2021 (nº anterior PLS 169/2018), criação de centros de assistência integral ao paciente com TEA no SUS, projeto de lei estadual (Paraná) nº172/2020 em tramitação que dispõe sobre as diretrizes para a implantação de centros de referências e a indicação da Câmara Municipal de Cianorte nº 144/2021 que propõe a implantação de um centro especializado para tratamento e acompanhamento de pessoas com TEA e seus familiares (aguardando as diretrizes federal e estadual). Logo, é de suma importância a necessidade de se colocar em prática no município de Cianorte e região um plano em conjunto com as áreas da educação, saúde e assistência social, com a finalidade de minorar sofrimentos ocasionados pelo TEA, para isso deve-se também cobrar posicionamentos das esferas superiores (procura-se os políticos que passaram recentemente pelos municípios pedindo votos e foram reeleitos).
REFERÊNCIAS
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[1] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13861.htm [2] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7853.htm [3]A Comissão de Estudos era composta por representantes das Secretarias Municipais, Núcleo Regional de Educação-NRE, Famílias e Consórcio Público Intermunicipal de Saúde do Centro Noroeste do Paraná – CISCENOP. Fonte: (https://www.cianorte.pr.gov.br/uploads/bkp//publicacoes/2021/Portarias/Portaria%201932021comissao%20atendimento%20espectro%20autista%20reorganizada.pdf). [4] Participantes da pesquisa: população Infantojuvenil matriculada em escolas públicas, particulares e filantrópicas. [5] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12764.htm [6] https://download.inep.gov.br/censo_escolar/resultados/2021/apresentacao_coletiva.pdf