Publicado por Nunisvaldo Nunes
Por falta de assunto nunca mais escrevi. Aliás, são vários os temas que podem ser tratados, a questão é que o nosso leitor é composto por um público culturalmente privilegiado e, sendo assim, o pacato escriba corre o risco de escrever algo que não chame a atenção ou em nada contribua. Desse modo, por prudência, é melhor o silêncio, mas como os idiotas são aqueles que mais sentem necessidade de se manifestarem em público, esquecendo a máxima chinesa que diz ter o criador nos criado com uma boca e dois ouvidos para que ouvíssemos mais e falássemos menos, resolvi não seguir a milenar sabedoria e escrever alguma coisa neste momento decisivo para a nossa cidadania. E o melhor tema encontrado foram as eleições.

Por falar em eleições acabo relembrando a história de um diálogo travado entre um matuto camponês e um astrônomo. Todos perguntarão: o que têm em comum a astronomia, as eleições e o matuto camponês? A resposta será simples – os ladrões. Ainda não está explicado, explico:
Dizem que certa noite um astrônomo estava por longas horas no campo contemplando a lua e as estrelas, o que chamou a atenção de um matuto, o qual se aproximou e perguntou qual o motivo de tamanha admiração, havendo o astrônomo respondido que estava estudando astronomia. O matuto sem saber o significado daquela palavra fez a seguinte interpretação etimológica: Quem mia é gato, gato come rato, rato come sebo, quem produz sebo é boi, boi tem chifre, então este cabra me chamou de corno. A confusão estava desnecessariamente formada.
Fazendo uma interpretação paralela, é certo que as eleições relembram os ladrões eleitos pelo povo, embora também sejam eleitos políticos honestos, pois toda regra tem exceção. Ladrão é uma figura que acompanha a história da humanidade desde os seus primórdios, as cidades antigas eram cercadas de muralhas por causa dos ladrões, então chamados salteadores; Jesus Cristo foi crucificado entre dois ladrões. Vieira, por sua vez, no Século XVI, precisamente em 1655, escreveu o Sermão do Bom Ladrão, cuja leitura a considero indispensável, em razão de sua atualidade.
Narra Vieira que Alexandre Magno navegava em uma poderosa armada pelo Mar Eritreu a conquistar a Índia, e como fosse trazido à sua presença um pirata que por ali andava roubando os pescadores, repreendeu-o muito Alexandre de andar em tão mau ofício; porém, ele, que não era medroso nem lerdo, respondeu assim.
— Basta, senhor, que eu, porque roubo em uma barca, sou ladrão, e vós, porque roubais em uma armada, sois imperador? — Assim é. O roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza; o roubar com pouco poder faz os piratas, o roubar com muito, os Alexandres.
No Brasil os Alexandres estão institucionalizados nos três poderes, com maior destaque para o legislativo e o executivo, em todas as unidades federativas, o que tende a fragilizar a nossa incipiente democracia representativa, pois nenhuma representação parlamentar corrupta e desonesta é legítima, jamais representando a vontade popular manifestada através do voto.
Não é o voto nulo, em branco ou as abstenções que vão evitar os Alexandres da Petrobrás, dos mensalões e dos mensalinhos, mas sim, o voto consciente visando a escolha daquele que melhor represente a vontade coletiva, com a observância dos critérios de honestidade e de qualificação do eleito para o exercício do cargo, e não aquela escolha por critérios subjetivos pautados em interesses pessoais, na maioria das vezes abjetos e insignificantes, a exemplo de sinecuras distribuídas nos diversos escalões da administração pública e outras ignóbeis ajudas materiais, de pares de chinelos a dentaduras.
A história republicana brasileira, desde a sua proclamação, teve poucos bons exemplos. A República Velha foi capitaneada pela política dos coronéis e seus sistemas oligárquicos, onde, além das fraudes eleitorais existia o famigerado ‘voto de cabresto’ havendo notícia de coronéis tradicionais que, no dia das eleições, exigia a colocação de urnas em suas propriedades. A partir de 1930, com o início da República Nova (era Vargas) até a Nova República instalada em 1988 o Brasil vivenciou cerca de 36 anos de regime de exceção, com pequenos hiatos democráticos, mas que em ambos os casos os escusos privilégios sempre permearam no seio da população, podendo se dizer que tal prática política já integra o nosso patrimônio cultural.
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