212 milhões de juristas?
- Walber Guimarães

- 22 de fev.
- 4 min de leitura
Por Walber Guimarães Junior, engenheiro e comunicador.
Houve um tempo em que a nação brasileira escalava a seleção de futebol, com intensas discussões porque sempre era necessário arrumar uma camisa de titular para o craque do seu time. Éramos a Pátria de chuteiras, com noventa milhões de treinadores, me reportando ao ano de 1970. Parece que crescemos, fizemos curso de direito, com pós-graduação em legislação eleitoral, talvez com o professor google, e somos agora uma nação de juristas.

Um reflexo dos novos tempos, onde a seleção não mais encanta, ou porque a sua camisa ganhou tons políticos, mas principalmente porque a pauta de nossos debates, em botecos ou redes sociais, está muito mais associada à cena política.
Ainda que persista a paixão pelo futebol, a grande questão nacional é vestir amarelo ou vermelho, como se todos fossem obrigados a escolherem seu lugar na arquibancada no estádio da política. Mas não se preocupe, até seus pensamentos são descortinados pelos contaminados, sedentos em rotular a todos, um sórdido subproduto da polarização odiosa que nos envolve nos últimos tempos.
A realidade está tão abusiva que até a torcida pelo Oscar da Fernanda Torres, outrora um motivo de orgulho e união nacional, divide a torcida porque uma grande parcela pintou de vermelho o maravilhoso “Ainda estou aqui”, como se a mediocridade do pensamento dual tivesse a capacidade de alterar as páginas da nossa história. Rubens Paiva é apenas um ícone de tempos que precisam ser mantidos vivos na memória para que não se repitam e a cada momento que sinto o cheiro de ódio no ar, percebo que tudo aquilo pode ser revivido em tons amarelos os vermelhos.
Lucidez não se vende na prateleira de farmácias ou mercados e tem estoque reduzido sempre que aumenta o nível de imbecilidade do debate político. Acho perfeitamente natural que cada tendência jogue holofotes sobre os aspectos que lhes são favoráveis, mas é importante entender que até o avestruz quando enfia a cabeça no chão, não está fugindo, mas se ajustando a nova realidade.
Olhares míopes, contaminados pela paixão, são péssimos conselheiros e, atualmente, são alimentados por cérebros suscetíveis à estímulos externos que consomem lixo digital, em processo de seleção e coleta realizada pelos algoritmos das redes sociais, com elevado potencial de contaminação, além de aumentar a temperatura política, servindo de catalizador do ódio que as alas partidárias sabem que é combustível para suas plataformas eleitorais.
Definitivamente isto não pode ser nivelado ao torcedor de futebol. Sou santista e vou torcer para que o Mirassol tire aquele time sem mundial das finais do campeonato paulista, mas isto é só futebol. A rivalidade, mantida no limite da decência, é parte do universo esportivo. Mas na política precisa ser diferente.
Fiquei abismado ao ouvir em um grupo de gente culta a comemoração pela péssima gestão de Lula, segundo suas leituras, e o desejo manifestado por todos que quanto pior, melhor. Melhor para quem? Para o topo da pirâmide social que tem gordura para queimar, mas e aqueles que trabalham de dia para poder pagar o jantar?
Como observador atento, tenho centenas de reclamações pontuais em relação aos dois últimos governos, Lula e Bolsonaro, como eleitor tomo minhas decisões, em coerência com minhas crenças, mas persisto brasileiro sob o comando de qualquer um deles e, como passageiro do avião Brasil, aguardo ansioso por uma aterrisagem satisfatória na próxima pista eleitoral.
Recuso-me ao papel de inocente útil, leio e escrevo com isenção para preservar a lucidez, para dividir opiniões com mentes isentas, para não me transformar em gado, de qual raça ou coloração, para não me tornar um idiota que se recusa a conferir notícias, flagrantemente distorcidas, apenas porque reforçam o ódio que alguns alimentam do lado oposto. Não aceito ser conduzido por fakes news ou por algoritmos de redes sociais.
Aprendi aos dezoito anos, em um cursinho de Sesi ou Sebrae, que opinião é o resumo de todas as informações que consumo sobre determinado assunto, e trago esta cultura comigo por toda a vida, com a lição adicional que leituras radicais ou contaminadas precisam ser expurgadas porque não contribuem com a construção de convergências sólidas e de bom senso.
Muito mais que meu voto, minha cabeça e meu cérebro não estão à venda e faço questão absoluta de preservá-los da guerra odiosa de versões unilaterais. Jamais entrarei nas trincheiras que vendem a ideia de um país sendo destruído pelo lado oposto, são apenas grupos políticos que enxergam sob prismas diferentes, que precisam conviver, seguir divergindo, no limite da responsabilidade e, principalmente, entendendo que a nação está acima de seus interesses pessoais.
Perdoe-me a sinceridade, mas vejo muito mais luta de poder, projetos pessoais, sustentados por hordas urbanas, preocupadas em manter seus privilégios e seus negócios, tendo a emenda secreta e a emenda pix, como exemplos maiores da deterioração moral que acomete o jogo político e que iguala a ambos os lados.
Jair Bolsonaro deve ser condenado? Não sei, agora é problema jurídico, não político.
Lula vai disputar a reeleição? Não sei, talvez a resposta esteja muito mais afeta à sua saúde do que a política.
Mas, é apenas a minha opinião, podemos ter um Brasil muito melhor com direita e esquerda representada por nomes que sustentem projetos e não apenas projetos de caudilhos, patrocinados por suas biografias e suas ambições. No mínimo, a escolha estaria balizada em ideias, e o ódio poderia ser, finalmente, extirpado das disputas eleitorais.














Comentários